quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Um bebê saudável não é a única coisa que importa

Esse texto foi traduzido pela Clarissa Oliveira e postado em http://amaequequeroser.wordpress.com/2013/02/10/um-bebe-saudavel-nao-e-o-bastante/

Achei-o tão bom que não resisti em registra-lo aqui também. Uma saudável reflexão sobre o viver!
Reproduzo as palavras da Clarissa, com as quais concordo:
"Venho sofrendo com uma questão que se tornou dolorosamente pessoal para mim: por que tantas mulheres, tantas amigas, aceitam indicações esdrúxulas de cesárea, agendam cirurgias desnecessárias, abandonam o sonho de parir, desistem de lutar contra o sistema e se tornam mais uma contribuinte à vergonhosa estatística de parto do nosso país?
Sei que as respostas são tão variáveis quanto as pessoas que se depararam com essa escolha. Cada mulher tem a sua história, seus medos e suas motivações. Mas, como antropóloga, acredito que a cultura pró-cesárea pesa muito forte nessa hora. Afinal, se todas estão fazendo, não pode ser tão ruim (algumas até dizem que “parto normal é anormal, normal é a cesárea”). Optar pela cesárea, no nosso Brasil atual, representa um alívio. Significa não precisar mais nadar contra a maré, peitar Deus e o mundo, ser chamada de louca ou taxada de masoquista (se bem que as masoquistas estão na moda, né? :-P). Nessa nossa cultura de valores invertidos (onde o que importa é o produto e as aparências, não as pessoas e seus desejos) e machistas (em que a vagina ou é “assassina” ou é “o parquinho do marido”), submeter-se à cesárea é “pensar no bebê” e “insistir” no parto normal é egoísta.
Pois eu não concordo. Não mesmo. Primeiro porque, apesar das crendices e dos mitos de cordões assassinos e vaginas deformadoras de crânio, a ciência  diz categoricamente que a via vaginal é a melhor via de nascimento para um bebê salvo em raríssimos casos. E segundo porque eu não acredito que o parto se resume ao nascimento de um bebê – ou melhor, à extração desse produto bebê do corpo (traiçoeiro, descontrolável, perigoso) de sua mãe. O parto é da mulher, do bebê e da família e merece ser vivido de forma plena, crua e totalmente personalizada (e não por isso menos segura e prazerosa), por essa família. Quando o parto se torna “um mal necessário” para conseguir “um bebê saudável” – como ocorre na nossa cultura – todos saem perdendo.
E é por isso que quero compartilhar esse texto maravilhoso com vocês. Escrito pela Cristen Pascucci, vice-presidente da organização Improving Birth e especialista em política e comunicação, o original pode ser encontrado no seguinte link e a tradução segue abaixo. Espero que gostem do texto tanto quanto eu."

Um bebê saudável não é a única coisa que importa - por Cristen Pascucci
Ouvimos toda hora que “um bebê saudável é a única coisa que importa”. Isso simplesmente não é verdade – especialmente quando, com mais frequência do que deveria, o que queremos dizer é que, tanto para mães quanto para seus bebês, basta “sobreviver ao parto”. Isso não chega nem perto de ser bom o bastante.
A verdade é que hoje, aqui e agora, o padrão não só pode como deve ser mais alto: um bebê saudável, uma mãe saudável e uma experiência positiva e respeitosa para todos, centrada na família.
Por que isso é tão importante? Porque o que nós esquecemos quando o foco é meramente em “sobreviver” ao parto é que, para mães, dar à luz não representa só um dia entre muitos dias de suas vidas. Para a grande maioria de nós, o parto não se resume à extração de um feto de nossos úteros da maneira mais eficiente possível.
O parto é uma experiência marcante, que fica gravada na memória para sempre. Pergunte à maioria das mães como foi o seu parto e você vai ver e ouvir a emoção vir à tona enquanto compartilham suas histórias – histórias estas que, boas ou ruins, nós revivemos intensamente e com frequência, queiramos ou não. E não esqueçamos que nossas experiências podem ter consequências importantes, duradouras e permanentes para a nossa saúde. O parto afeta o puerpério (quem nunca ouviu falar nos baby blues, aquela melancolia pós-parto?), os relacionamentos com nossos bebês e nossas famílias, e nossas atitudes perante nós mesmas e os partos que teremos no futuro.
Para os bebês, trata-se de sua primeira impressão do mundo e daqueles que serão seus principais cuidadores. Estamos comunicando aos nossos bebês desde o primeiro dia o que é o mundo, se é ameaçador ou seguro, e como nos relacionamos com esse mundo. Essa relação não poderia ser muito melhor se adentrássemos a maternidade fortalecidas pelo parto, confiantes e apoiadas?
É claro que no mundo real o parto não segue o padrão de um livro texto; complicações, mudanças de planos e desfechos indesejados acontecem. Mas mesmo nesses casos, uma mulher ainda pode ser respeitada e apoiada. Talvez não sejamos capazes de controlar a natureza, mas podemos sim controlar como tratamos as mulheres durante o trabalho de parto e nascimento. Até quando acontece o pior (especialmente quando acontece o pior!), não há nenhuma desculpa para um tratamento que não demonstre o máximo de  respeito, deferência e compaixão pela parturiente enquanto ela faz suas escolhas.
Porque o que é mais curioso sobre a frase de “bebê saudável” é que, com tanta frequência, ela é empregada para justificar uma experiência decepcionante, difícil ou traumática. É dita por nossos médicos, nossos amigos e nossos parentes enquanto ainda não nos recuperamos do choque do que acabou de acontecer: enquanto tentamos entender uma experiência que fugiu, inesperadamente, ao nosso controle. E sim, também dizemos a frase para nós mesmas.
Então qual é a peça chave para um novo padrão? Somos nós! São as mulheres cujo dinheiro alimenta a indústria que nos provê desses serviços e cuidados. Embora muitas não tenham se tocado disso, somos nós que estamos com a faca e o queijo na mão. Imagine o que aconteceria se nós, milhões de mães e pais e seus amigos, de fato tomássemos para nós esse poder e fizéssemos uso dele.
Podemos começar pela educação, nos informando sobre o que seria um cuidado digno – respeitoso, baseado em evidências – e daí passando a buscar esse cuidado com consciência crítica quando conversamos com potenciais médicos. Podemos ficar atentos aos sinais de alerta – coisas como ouvir do médico que “não será permitido” ou que você “não pode” fazer tal coisa – e parar de ignorar nossos instintos! Na minha opinião, escutar uma frase como “um bebê saudável é a única coisa que importa” se encaixa nessa categoria. Essa frase me diz, “o que quer que aconteça na sala de parto/centro cirúrgico, você não terá o direito de reclamar. Se nós lhe entregarmos um bebê vivo, fizemos o nosso trabalho.”
Por fim, e talvez o que é mais importante, podemos exercer o nosso poder abandonando aqueles médicos que não nos oferecem bebês saudáveis, mães saudáveis e uma experiência positiva, respeitosa e centrada na família.
Para mães e bebês, sobreviver ao parto não é o bastante. É só o ponto de partida.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Porque você provavelmente vai acabar numa cesariana [com seu médico de convênio]

Pela Obstetriz Ana Cristina Duarte
https://www.facebook.com/notes/ana-cristina-duarte/porque-voc%C3%AA-provavelmente-vai-acabar-numa-cesariana/481841398531377



Querida Amiga: saber da sua gravidez só me trouxe alegrias. Na verdade muitas alegrias e uma preocupação. Um dia o bebê vai nascer e eu temo pela qualidade desse nascimento, em tudo o que não depende de você e de sua vontade. Por isso eu queria aqui te contar porque é que você dificilmente escapará de uma cesarianam, ainda que deseje ardentemente um parto natural/normal.

Bola de cristal? Imagina, você que pensa! Curso básico de estatística, terceiro ano colegial, lembra?

Primeiro vamos aos fatos. - A imensa maioria dos hospitais privados em nosso estado, em nossa cidade, têm por volta de 90 a 95% de cesarianas.- Tem três pesquisas científicas muito bacanas mostrando que 70% das mulheres querem parto normal. - E temos a Organização Mundial da Saúde dizendo que apenas 15% das mulheres precisam de cesárea.

Em algum momento, entre o começo do pré natal e o parto, as mulheres acabam na cesárea, não precisando e não desejando.

Por outro lado, vamos ao plano de saúde.

- Um médico de plano ganha por volta de 300 a 500 reais para realizar um parto.
- Supondo que ele esteja de plantão no dia e tenha que chamar um substituto para cobrir o plantão, ele vai pagar R$ 600 a R$ 800 para o substituto. Então ele já perdeu uns 200 a 500 reais para te atender.
- Se ele deixar de atender 6 horas de consultório por sua causa, são por volta de 20 consultas de 40 reais, assim por baixo. R$ 800 de prejuízo, no mínimo. 
- Se ele tiver que pegar a estrada, pagar pedágio e chamar uma babá para dar conta das crianças, são R$ 300 reais. 
- Portanto o fato é que parto normal, para os médicos de convênio, representa um prejuízo financeiro enorme.

E por fim, vamos à terceira questão. Eu chamo isso de "Fator Varella". Disse Drauzio Varella certa vez em entrevista à Revista Claudia:- Parto normal é muito chato. É muito mais fácil botar a mulher na maca e "Pumba!" fazer uma cesárea.
O fato é que muitos obstetras não querem mais atender partos normais. Fizeram tantas cesarianas que perderam a paciência e a mão. Sem essa vivência diária do parto normal, perde a capacidade de achar soluções e operam como solução para qualquer problema. Assim, acham que passar de 40 semanas, bebê grande, bebê de costas, bebê alto, tudo é indicação de cesariana. E a maioria das obstetras optou por cesáreas, para si e para suas parentes. Idem para os obstetras homens, em relação à suas mulheres. Portanto é claro que não irão fazer para você algo que consideram "pior" ou "mais arriscado".

Às vezes o médico tem um discurso maravilhoso, e até acho que pode ter boa fé. Mas no fim, com a barriga crescendo, a pressão do convênio, da rotina, da vida doméstica, e o imenso prejuízo financeiro que ele certamente vai levar atendendo seu parto, tudo isso vai fazer com que ele não tenha outra saída a não ser pedir um ultrasom com 37 semanas e descartar seu parto porque o bebê está grande/pequeno, você está gorda/magra, o líquido ficou muito/pouco, etc.. E sua cesárea será marcada, junto com outras 2 ou 3 clientes, para facilitar a vida nada fácil que ele leva.

Eu não acho que seja sacanagem dele. Acho que ele é apenas mais um elo enferrujado de uma corrente que não nos serve mais. Não tenho soluções fáceis para você, nem sequer garantias. Só queria que você entendesse que a sua vontade, frente a essa imensa engrenagem que são os planos de saúde, os hospitais particulares, os médicos cansados e sobrecarregados, não vai representar muito, na hora da decisão. A nossa vontade fica tão menor do que tudo isso, que ela não consegue fazer a roda da engrenagem girar no sentido contrário.

Seria preciso muito mais do que desejo. Se quiser qualquer ajuda para achar as saídas, as rachaduras do sistema, me fala, que eu vou gostar muito de te ajudar. E se decidir marcar sua cesárea, faça-o sem o famigerado sentimento de culpa, que em nada nos ajuda. Entenda os riscos, minimize-os o tanto quanto seja possível, e pronto.

A maternidade não se resume ao parto, nem é definida pelo parto, assim como um casamento não se resume à cerimônia, nem por ela é definido. Eles são os portais, e como tal, tem sua importância. O que se perde num nascimento de qualidade, nós podemos recuperar ao longo da vida. Cada um de nós sabe até onde consegue ir, quais leões gostaria de matar por um nascimento suave, respeitoso, delicado, amoroso, silencioso.

Vá até onde você deseja e saiba que estou ao seu lado, sempre.

Um abraço forte!


E PARA COMPLEMENTAR A POSTAGEM DA OBSTETRIZ ANA CRISTINA DUARTE, SEGUE O TEXTO DA OBSTETRA CARLA POLIDO:

Você tem convênio? Você só tem 10% de chance de ter um parto vaginal, no Brasil.

21 de março de 2013 às 22:05
Você, mulher, que tem plano de saúde e quer parto normal. Você acha que vai conseguir driblar o médico que diz que "se der tudo certo, seu parto vai ser normal"...Você sabe que pouco mais de 10% das mulheres iguais a você vão ter parto vaginal? E que esse parto muitas vezes não será no modelo recomendado de atenção?

O que me dói é ouvir o mesmo discurso sempre, da boca de diferentes mulheres. Nós torcemos MUITO por seu parto. Nós SABEMOS que você é capaz de parir. Mas ao longo dos anos na militância, nós também conhecemos a violência do sistema, e conversamos com centenas de mulheres com um discurso exatamente igual ao seu. Que com elas seria diferente.

Isso não tem a ver com você, com sua vida, com seus problemas, com suas fortalezas e fraquezas. Tem a ver com os profissionais e as instituições de saúde. Na assistência clássica, a perspectiva do cuidado é a do cuidador, gestante e criança são coadjuvantes....os médicos e os enfermeiros obstetras são os protagonistas.

A sua fala de "meu médico é bonzinho e disse que vai me respeitar" revela o quanto você ainda está inocente, o quanto você ainda não entendeu a violência com que o modelo de nascimento engole as mulheres no Brasil. É nesse ponto que queremos te ajudar. Não podemos passar a mão em sua cabeça e dizer: "vai, querida, vai dar tudo certo". E se você ficou "incomodada" com o que estamos dizendo, provavelmente já começou a enxergar a verdade, mas ainda luta contra essa lógica cruel.

Nós queremos que você consiga parir, ninguém está torcendo contra. E sim, algumas mulheres conseguem parir no meio de um atendimento desqualificado, em meio a todo um contexto desfavorável...em posição ginecológica, com pernas no estribo, com luzes fortes, com pessoas ou gritando comandos ou conversando outros assuntos, sob pressão fúndica externa (Kristeller), com episiotomia. Você será separada de seu filho, tratada como incapaz, julgada por sua vocalização. Esse modelo ultrapassado é a regra, não a exceção. Assim, uma mulher vai parir com sofrimento e com mutilação física e emocional.

Prepare-se para seu parto, mas escolha seu time de apoio, incluindo o parteiro. Conheça a realidade do obstetra, descubra suas taxas de cesariana, saiba como é seu atendimento ao parto vaginal. Grande parte das mulheres, inclusive as que são profissionais, passou por uma experiência traumática no próprio parto, antes de perceber que poderia ter feito escolhas diferentes. Pense nisso.

fonte: https://www.facebook.com/notes/carla-andreucci-polido/voc%C3%AA-tem-conv%C3%AAnio-voc%C3%AA-s%C3%B3-tem-10-de-chance-de-ter-um-parto-vaginal-no-brasil/3922183272670
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