quinta-feira, 28 de março de 2013

Medicina Baseada em Evidência Científica!!

      Tenho visto muitos profissionais da saúde usarem  a "carteirada" como argumento para perpetuarem más práticas médicas. "Sou médico a 30 anos e sempre fiz isso, não é agora que vou fazer o contrário", diz um... "A 10 anos faço tal procedimento, eu sei o que estou fazendo, quem é você para questionar isso".
     O pior (e mais vergonhoso ainda) é quando vemos estudantes de medicina contradizerem evidências científicas por que seus professores não ensinaram de tal forma. Estudantes de medicina dando "carteirada" ("estudo medicina e quem é você, leiga, pra achar que sabe alguma coisa")  em obstetras experientes e conceituados, como as PhDs Dra. Melania Amorin (obstetra) e Dra. Simone Grilo Diniz (obstetra) e obstetrizes extremamente experientes e atualizadas como Ana Cristina Duarte. Sim, tem estudante de medicina mandando essas pessoas "irem estudar", irem ler o "Rezende" (um livro de obstetrícia super desatualizado da década de 70) ou lerem no PubMed (como se tivessem descoberto o Brasil e o PubMed só tivesse artigos de altíssima qualidade - tem bons e ruins). E claro, as "carteiradas" se estendem aos profissionais não médicos, leigos, mulheres empoderadas etc.. ignorando que qualquer pessoa inteligente capaz de ler um artigo científico e compreender o uso da estatística é capaz de questionar prática arcaicas e congeladas com inteligência!
     Quando, como doula, eu afirmo que procuro seguir a medicina baseada em evidência, e questiono junto às gestantes que estou acompanhando a conduta de certos médicos, estou me referindo às revisões sistemáticas da Biblioteca Cochrane e às recomendações da Organização Mundial de Saúde. Pouco me importa se o médico fofinho e querido disse que vai fazer episiotomia (corte na vagina durante o parto) em você pra proteger o seu períneo, ou se ele disse que não se aguarda  o parto depois de 40 semanas pois é "perigoso" (e outras tantas recomendações absurdas que ouvimos por aí). Eu vou, cara gestante, sempre te incentivar a questionar quando a evidência apontada por estudos científicos é outra!
     Infelizmente nossas faculdades brasileiras seguem desatualizadas, e a grande maioria dos alunos saem de lá como macacos de imitação. Fazem episiotomia (ou qualquer outra intervenção inadequada no parto) por que aprenderam a fazer assim com seus professores, e estes com os seus, e assim por diante! Protocolos decorados e padrões rígidos não questionados, e a qualidade da assistência obstétrica no Brasil segue sua lamentável trajetória!
     Quando uma gestante chega me dizendo "Mas o meu médico disse que..." eu replico "questione!!" Chega de basearmos tudo que fazemos em uma obediência cega de "o meu médico disse que.." e chega de médicos desatualizados que seguem desrespeitando o protagonismo feminino no parto, seguem praticando violência obstétrica travestida de "eu sempre fiz assim e assim que é o certo". Queremos ser atendidas por profissionais atualizados, humanizados, questionadores, antenados com as evidências! E esses profissionais existem! Existem médicos/médicas obstetras humanizados, atualizados! Você não está presa ao seu médico de sempre só porque "ele disse que...", lute pelo seu parto, procure outras opiniões, certifique-se!
     Transcrevo abaixo um explicativo capítulo do livro "Parto Normal ou Cesárea" pra que todos/as possam entender melhor o que queremos dizer com medicina baseada em evidências! Se seu médico não sabe o que é MBE, e está desatualizado em relação as recomendações da OMS, então cara Gestante, corra dele!! Pois com esse aí você não vai parir!



A medicina baseada em evidências
(paginas 10 a 16 do livro "Parto Normal ou Cesárea" de Ana Cristina Duarte e Simone Diniz, editora UNESP)

        Para a maioria de nós, mesmo os profissionais de saúde, o assunto provoca grande susto. Todos aprendemos as nossas práticas profissionais com base na melhor ciência, e as exercemos seguros de seus benefícios.
A medicina Baseada em Evidências (MBE) é um movimento internacional criado na segunda metade da década de 1980 e em poucos anos se estendeu ao mundo inteiro. Nasce do reconhecimento de que boa parte da prática médica não é respaldada por estudos de qualidade sobre a segurança e eficácia dos procedimentos utilizados, quer sejam os medicamentos, os exames, as cirurgias, entre outros. Constatou se que, dependendo da região geográfica onde alguém morasse, a prática médica "correta" poderia ser completante diferente (Enkin, 1996). Por exemplo, em alguns lugares o "certo" era sempre usar fórceps no primeiro parto (ainda é assim em muitos lugares do Brasil), enquanto, em outros países, só se encontravam registros de tal procedimento em museus. 
Verificou-se que a medicina se baseia em muitos tipos de pesquisa tendenciosos (Chamados de viés pelos cientistas) que às vezes favorecem práticas inúteis, arriscadas ou danosas. Com isso, foi organizada uma iniciativa internacional para sistematizar o conhecimento científico "menos tendencioso" a respeito de cada procedimento médico, por especialidade.

Essa iniciativa foi denominada Colaboração Cochrane, em homenagem ao médico britânico Archie Cochrane. Formaram-se dezenas de grupos de pesquisadores e profissionais para avaliar a qualidade das pesquisas em suas áreas, dando prioridade às pesquisas que apresentavam menos vieses, os chamados ensaios clínicos randomizados (Jadad, 1998).
Randomizado significa que as pessoas participantes do estudo são sorteadas para receber ou não o recurso médico (medicamente, exame, cirurgia etc.), o que torna mais fácil verificar se ele é de fato seguro e eficaz. Muitos estudos não-randomizados mostram que é um recurso benéfico apenas porque os pacientes envolvidos na análises estavam, entre outras razões, em condições mais favoráveis de saúde, ou eram mais bem atendidos, ou se cuidavam melhor, e não pelo recurso em si. Quando os pacientes são sorteados pode-se diminuir esse viés. Isso não quer dizer que os pesquisadores eram ou são desonestos  apenas que, em geral, quando pesquisamos, enxergamos mais aquilo que esperamos, o que acreditamos, o que queremos ver.
Quando se lida com muitos ensaios clínicos, em que há um numero muito pequeno de participantes, existe o risco de que o resultado se deva ao acaso (outro tipo de viés) e não ao procedimento estudado. Isso, às vezes, leva a resultados contraditórios sobre a eficácia ou a segurança de um procedimento. Nesses casos, pode-se fazer uma revisão sistemática das diversas análises e realizar um "tratamento estatístico" de seu conjunto, chamado metanálise. Assim, define-se melhor se aquele procedimento é de fato seguro e eficiente, reunindo grande número de pacientes e reduzindo o viés do acaso.
Hoje em dia, em vez de pesquisar em centenas de artigos sobre um recurso médico, é mais adequado começar lendo a revisão sistemática, que sintetiza o conjunto de estudos. 
Mesmo a definição das prioridades - o que escolhemos pesquisar, a pergunta que nos fazemos, e onde investir os recursos de pesquisa - é um tipo de viés. Por exemplo, durante a segunda metade do século XX, em boa parte do mundo ocidental se realizou a EPISIOTOMIA (corte da vulva e da vagina no momento do parto) em praticamente todas as mulheres, pois se acreditava que era benéfíco para mães e bebês. Hoje, sabemos que nunca houve evidência sólida para recomendar tal prática como rotina. Na realidade, a evidência encontrada foi muito desfavorável. Quando os pesquisadores fizeram uma revisão sistemática sobre SE deveriam fazer episiotomia, constataram que os estudos eram centrados sobre o melhor local do corte, o momento de cortar, se o instrumento adequado era o bisturi ou a tesoura, o tipo de fio de sutura, o analgésico mais indicado para a dor que provocava, como combater ou prevenir as infecções da ferida etc. Uma vez que os pesquisadores tinham certeza de que sempre deveriam fazer episiotomia, as pesquisas não colocaram em dúvida a eficácia ou segurança do procedimento (Enkin, 2000). Enquanto isso, centenas de milhões de mulheres tiveram suas vulvas e vaginas cortadas e costuradas no momento da dar à luz, na grande maioria das vezes sem necessidade.
Na área de assistência ao parto, comprovou-se, já na década de 1980, que "a distância entre a prática e as evidências era alarmante". Apesar disso, o ritmo de mudança nas práticas tem sido muito lento, e estima-se que atualmente na América Latina apenas 15% dos procedimentos utilizados sejam baseados em evidências sólidas (CLAP, 2003).
O Grupo da Colaboração Cochrane de Gravidez e Parto foi um dos que primeiro se organizaram e desenvolveram pesquisas acerca do tema, tendo se tornado referência para os demais. Em 1989, o grupo publicou exaustiva revisão dos procedimentos, e, em 1993, um de seus resultados mais importantes foi a publicação da revisão sistemática de cerca de 40.000 estudos sobre 275 práticas de assistência perinatal, classificados quanto à efetividade e à segurança.
Este trabalho de uma década contou com o esforço de mais de 400 pesquisadores (incluindo obstetras, pediatras, enfermeiras, estatísticos, epidemiologistas, cientistas sociais, parteiras e até mesmo mulheres usuárias), que realizaram uma revisão completa de todos os estudos publicados sobre o tema desde 1950, cujo resultado inteiro está a disponível em publicações eletrônicas a partir da segunda metade da década de 1990. Periodicamente é atualizado no site da Colaboração Cochrane.
Em termos de importância, as revisões sistemáticas e metanálises publicadas pela Biblioteca Cochrane são a melhor fonte para evidências. A opinião de 1 médico isoladamente, o relato de 1 caso etc, tem menos valor científico.


Uma síntese desse trabalho foi publicada primeiramente pela Orgnização Mundial da Saúde (OMS) em 1996, e desde aquele momento conhecida como as "recomendações da OMS" (a lista encontra-se aqui http://alaya77.blogspot.com.br/2012/02/recomendacoes-da-oms-organizacao.html). Uma coletânea bastante completa dessas revisões, em uma versão popular dirigida a profissionais e usuárias, foi organizada pelo pesquisador canadense Murray Enkin e colaboradores. O "Livro do Enkin" tornou-se grande referência para os defensores de um PARTO BASEADO NA EVIDÊNCIA.

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Espero que o trecho desse ótimo livro ajude a demonstrar porque devemos questionar certos protocolos e afirmações (mesmo quando vindas do médico). Um médico atualizado e seguro do que está fazendo não terá problemas em explicar o procedimento e justificar suas indicações. Mas médicos desatualizados podem se esconder atrás de sua figura de autoridade e submeter mulheres a intervenções que elas não precisam. Seja ativa em seu processo gestacional! Estude, questione! E procure um profissional (obstetra, obstetriz, enfermeira obstetra) que seja realmente de confiança! São poucos mas existem!


domingo, 24 de março de 2013

Será que não faz mesmo diferença?! Cesárea x Parto vaginal x Parto Humanizado

Um post no estilo "uma imagem vale mais que mil palavras"
Fiz essas montagens para tentar mostrar a diferença no tratamento com as mães e os bebês.
Enfatizo que a Cesárea é uma cirurgia MARAVILHOSA quando usada para salvar vidas. A cesárea é para emergências, para gestações de alto risco. A Organização Mundial da Saúde preconiza que 15% das mulheres vão precisar de uma cesárea, portanto, é ótimo que ela exista!! Contudo, se sua gestação é de baixo risco, saudável.. não faz muito sentido escolher passar por uma cirurgia ao invés de ter uma experiência transformadora de parto!
Há grandes diferenças, como podem ver, quanto a liberdade de posição/movimentação da mãe, presença do pai apoiando, de familiares. O ambiente em um parto humanizado é muito mais acolhedor, o bebê ao nascer vai direto para o colo da mãe.. tudo isso faz diferença em nossa percepção do parto como algo violento ou prazeroso.
Cesáreas mal indicadas (baseadas em mitos e terrorismo médico) e os partos vaginais Anormais (frankenstein, isto é, cheio de intervenções desnecessárias e desrespeito à integridade física e emocional da mulher) possuem diferenças gritantes em relação à beleza que pode existir em um parto natural humanizado.

Em um parto humanizado a mulher é protagonista! Dela é o parto! Dela é o bebê! Ela decide como fica mais confortável, quem ela quer junto dela, se quer parir de cócoras, na água. Ela confia em sua capacidade, acredita na fisiologia do seu corpo, e junto com seu bebê trabalha ativamente para dar nascimento a ele.
Já nos outros ela é uma expectadora passiva, amarrada a uma maca, presa a perneiras, impedida de se movimentar, cerceada em seus desejos, seu corpo tratado como uma "fábrica", que deve ser aberta, cortada, e remendada, e o bebê é um trófeu a ser exibido, acolhido sem carinho, e levado para longe da mãe.

Esse post não é para quem precisou de fato de uma cesárea bem indicada, esse post não é para aquela mulher vítima do sistema que queria ter um parto normal mas foi aterrorizada por um médico e enganada com um pretexto falso de cesariana (tipo "passou do tempo", "não dilatou", "cordão enrolado no pescoço" e outros motivos estapafúrdios). Esse post não é para fazer quem teve uma cesárea se sentir mal, nem para gerar uma frustração em quem lutou por um atendimento respeitoso mas acabou num parto vaginal mais violento! Não, nós sabemos o quanto é difícil conseguir parir com respeito e dignidade no Brasil! Nós lutamos para que as mulheres tenham cada vez mais acesso a informações de qualidade e um atendimento humanizado!
Esse post é para quem não quer saber, quem fecha os olhos e ri e diz que "tanto faz", "é tudo a mesma coisa". É pra quem prega aos 4 ventos sua cesárea "limpinha e cheirosa" e fala que tem nojinho de parto, que isso é coisa pra índia. É pra quem ignora a diferença no atendimento, no tratamento ao bebê, é pra quem não ta nem aí pra se conscientizar.

Há diferença sim! Ser protagonista ativa do seu parto, em um ambiente acolhedor, aconchegante e respeitoso, é outra coisa!! Poder pegar o próprio bebê e trazer ele para o colo, ser tratada como uma mulher forte, uma mulher inteligente, que sabe o que é melhor para si, sabe que posição quer ficar..  ter liberdade, ter participação, poder estar cercada de pessoas familiares (o pai poder participar, pois no atendimento padrão muitas vezes o pai ainda é barrado, apesar de ser lei, e quando pode entrar é mero espectador), cercada de sorrisos e olhares de incentivo (ao invés de máscaras estéreis que escondem pessoas sem rosto, que fazem aquilo por protocolo, por rotina, te tratando como "a paciente do quarto X"..) Trazer o bebê sem uma luz forte na cara dele o cegando, sem um ar condicionado frio, sem ele ser exibido como um troféu e passado de mãos em mãos, esfregado e submetido a procedimentos desnecessários enquanto a mãe permanece passiva, amarrada a uma maca, como mero produto onde seu bebê é o subproduto...

É muito diferente!! E duvido que alguém ao compreender todas essas diferenças escolha não ser protagonista, escolha não ser ativa, escolha não estar em um ambiente aconchegante e respeitoso (e o parto humanizado pode ocorrer tanto em casa quanto no hospital, o importante é a equipe!) . A "escolha" da cesárea em nossa sociedade é uma grande falácia, é uma mentira baseada em terrorismo psicológico e falta de apoio real e acesso a informação de verdade.
Havendo possibilidade de escolha (isto é, se sua gestação não indica um motivo real para a necessidade de uma cesárea), por que não escolher um nascimento mais humano?! Não é "tanto faz", é muito diferente; Ser tratada com carinho, e receber o bebê com amor, com calor humano, isso é nascer sorrindo!













































quarta-feira, 20 de março de 2013

Meu bebê é grande, mas eu sou um mulherão!



Bebê grande não é indicação de cesariana.Quer dizer então que a natureza preparou um bebê dentro do útero de uma mãe que não tem como sair? Mais ou menos como um marceneiro montar um armário dentro da oficina que não tem como sair pela porta? Bom, o marceneiro burro pode até perder o armário, paciência. Mas a natureza não é burra, e não tem caché energético para bancar bebês que são feitos por 9 meses e depois não podem sair, matando a si mesmos e às suas mães.

Na natureza, nos últimos 100 mil anos, cada vez que uma mutação genética fazia um bebê ser gigantesco para sua mãe, o que acontecia era o óbito de ambos. Esses genes malucos de bebês gigantes jamais puderam se reproduzir e perpetuar em nossa espécie. O tamanho dos nossos bebês não é fruto do acaso, do sorteio. Ele foi moldado pela seleção natural ao lonto desse longo período. Curiosamente nos últimos 40 anos, que é aproximadamente a idade da indústria da cesárea no Brasil, começaram a pipocar os incontáveis casos de bebês que não podem nascer por serem enormes.



Vamos aos fatos:

1) Não há como saber o peso dos bebês no útero. A ultrassonografia é uma tecnologia absolutamente inapropriada para cálculo de peso. Aparelho de ultrassom transforma onda sonora em imagem, e a imagem é medida por um computador, que joga tudo numa tabela internacional e dá um peso estimado. Não é de se surpreender que o erro chegue a 20% e que albuns bebês nasçam com até 1 kg de diferença entre o estimado e o real.

2) A bacia das mulheres têm flexibilidade através de seus ligamentos, que é aumentada pela relaxina, um hormônio que tem níveis elevados durante a gestação. A bacia interna (que é por onde o bebê passa) não tem como ser medida com precisão. Tamanho de nádega materna não é tamanho de bacia. Uma mulher pode ter um bumbum bem grande (como essa que vos escreve) e uma bacia pequena internamente (não é o meu caso). Outra pode ser magérrima, tipo Gisele Bundchen com fome, e ter uma bacia interna muito grande.

3) Os ossos da cabeça do bebê são soldos (a famosa "moleira" é justamente um dos espaços entre esses ossos). Durante o trajeto do canal de parto, os ossos se sobrepõem, formando um cone. Quando o bebê nasce, sua cabeça tem quase o formato de um ovo. Em poucas horas esse cone se desfaz e a cabeça fica redonda. Por isso também, as medidas do crânio do bebê calculadas pelo ultrassonografista não servem para absolutamente nada. Só servem para diagnosticar possíveis patologias fetais e predizer problemas de saúde do recém nascido. Essas medidas podem até ser úteis a um neonatologista, mas nunca a um obstetra.

4) Existe a possibilidade do bebê adentrar a bacia pélvica de forma inadequada e não passar. É a chamada desproporção céfalo-pélvica (DCP). Esses são os bebês que poderiam morrer se não fosse pela cesariana. Porém o único modo de de diagnosticar uma desproporção é aguardando a mulher entrar em trabalho de parto, aguardando toda a dilatação do colo do útero (total, ou praticamente total), aguardar algumas horas (por volta de quatro ou mais, se o bebê estiver bem), sem que ele desça pelo canal de parto. Ainda assim é importante se tentar pelo menos uma analgesia por algumas horas antes de se decidir por uma cesariana por DCP.

5) Já assisti desproporção em bebês de 2500g e já vi bebês de 4700g nascerem em partos muito rápidos. Em outras palavras, o peso não tem NADA A VER com passar ou não passar. Já vi mulher de 1,80m ter desproporção e mulher de 1,40m ter parto muito rápido e fácil. Em outras palavras, tamanho de mulher não tem NADA A VER com passar ou não passar. O tamanho do marido também não tem qualquer importância nessa equação.

6) A altura uterina não tem qualquer utilidade para se determinar se um bebê vai passar ou não, pois ela depende de muitos outros fatores que não o peso do bebê.7) Bebês grandes não tem maiores chances de "rasgar" os tecidos da mulher durante seu nascimento. O risco de laceração ocorre principalmente pelas intervenções (ocitocina, Valsalva, litotomia, Kristeler) e pela velocidade da saída do bebê. Técnicas de preparação do períneo durante a gestação têm sido promissoras no sentido de evitar lacerações de períneo e devem ser empregadas não importa o tamanho estimado do bebê.

8) Distócia de ombros, quando o ombro fica preso depois do nascimento da cabeça do bebê, é um evento muito raro, que fica um pouco mais provável com o uso de manobras como o fórceps e kristeler.  Mais da metade dos raros casos de distócia acontece em bebês que não são considerados grandes. Seriam necessárias mais de 300 cirurgias cesarianas em gestações de bebês supostamente grandes, para evitar um único caso de distócia de ombros. Essas 300 cirurgias certamente fariam muito mais mal a essas 300 mães e 300 bebês do que as consequências em geral passageiras de uma distócia de ombros.

9) Tamanho de vagina não tem nada a ver com essa questão. Se a mulher tiver algum problema nesse sentido, pode até solicitar a possibilidade de uma analgesia para o final do parto, para não sentir a passagem do bebê, caso entre em pânico durante o período expulsivo. De toda forma, a vagina é composta por tecidos musculares, que são muito flexíveis. A DCP se refere aos ossos da pelve materna, e não aos tecidos moles.

10) Não existe bebê tão grande que pode "entalar". O ponto mais estreito da bacia é uma linha imaginária que passa pelas duas espinhas isquiaticas. Ou o bebê passa ou ele não passa por esse ponto. Se o bebê não passar pela linha, ele nasce por cima. Se passar, nasce por baixo. Não existe um "purgatório" na bacia, de onde a criança jamais poderá sair. Sempre dá para nascer, por baixo ou por cima.

Em resumo, eu considero prática de má fé qualquer indicação de cesariana baseada em medidas, seja de altura uterina, tamanho de cabeça, peso calculado pelo ultrassom, medida da bacia por raio X, tamanho do bumbum, número de calçado ou tamanho dos ombros do marido estivador.

E o cordão enrolado no pescoço?!!

Circular de cordão? Veja aqui! Textos informativos escritos por quem entende do assunto! E vídeos de partos em que os bebês nasceram com 1, 2, 5 circulares de cordão!!

Me amarrei no seu cordão! - por Ana Cristina Duarte (obstetriz)
texto original no facebook https://www.facebook.com/notes/ana-cristina-duarte/me-amarrei-no-seu-cord%C3%A3o/498390133543170

Poucas coisas causam mais terror no imaginário do brasileiro do que o cordão umbilical. Enquanto em outros países as mulheres e médicos nem pensem no assunto, no Brasil esse é o maior hit nas paradas jornalísticas, midiáticas e pseudo-médicas. Quem nunca ouviu essa frase:
- Daí o médico fez a cesárea e o bebê tinha duas circulares no pescoço, e ele disse "ainda bem que foi cesárea, pois se fosse parto normal seu bebê teria morrido". 
Que lorota feia, doutor!
Ou a outra não menos clássica:
- Meu médico é super a favor do parto normal, mas ele não arrisca. Se tiver algum exame que mostre alguma coisa errada, cordão enrolado no pescoço, por exemplo, ele opera.

O cordão umbilical pode medir desde alguns poucos centímetros (é isso mesmo, não existe "cordão curto") até quase 1 metro de comprimento e está sempre enrolado em alguma(s) parte(s) do bebê. Falar em circular de cordão é quase redundância. Como assim um cordão sem circular, num espaço exíguo, com um bebê em constante movimento? Não faz nem sentido. Os bebês interagem com o cordão, seguram, soltam, mexem. Enrolam-se, passam por dentro, fazem nós e voltas. Macramê do bebê. Ele é preenchido por uma substância gelatinosa que dá volume e protege os vasos sanguíneos internos.

Acidentes verdadeiros de cordão são situações raríssimas, que podem ocorrer durante a gravidez, por exemplo quando o bebê faz um nó verdadeiro e estica o cordão com seus movimentos, interrompmento assim o fluxo sanguíneo que o mantém. Porém esses eventos são mais raros do que um gêmeo surpresa na hora do parto, um acidente importante de trânsito, é um tipo de loteria ao contrário que atinge 1 a cada 5 mil gestações. Se isso fosse algo de fato constante em nossa espécie, os bebês não se mexeriam loucamente no útero, interagindo com um cordão de 80 cm de comprimento. Se acidentes de cordão fossem algo fácil de ocorrer, nossos cordões teriam 20 cm, e nossos bebês ficariam quietos numa só posição. A natureza teria cuidado de selecionar essas características.

O famoso prolapso de cordão - quando o mesmo desce pelo colo do útero e vagina antes da cabeça do bebê, interrompendo fatalmente o fluxo de sangue - é um evento igualmente raro, que ocorre principalmente quando o profissional de saúde rompe a bolsa artificialmente, e já há dilatação do colo do útero porém o bebê está alto. É nessa hora que o cordão pode vir com o líquido. Se não provocarmos a catástrofe artificialmente, na natureza ela é ainda mais rara.

As circulares de cordão no pescoço do bebê não representam risco adicional no parto, porque o bebê se movimenta muito menos no final da gestação e já não faz voltas incríveis e absurdas. O cordão sempre está enrolado no braço, no tronco, no pescoço. Uma grande vantagem da circular no pescoço é que o cordão não tem como descer abaixo da cabeça do bebê. Alguns chegam a ter até três ou quatro circulares, os babalorixás intrauterinos. Cerca de um terço dos bebês nascerá com pelo menos uma volta de cordão umbilical ao redor do pescoço.

Durante o trabalho de parto o útero contrai e empurra o bebê pelo canal de parto e conforme ele desce, o útero todo desce junto, inclusive placenta e cordão. Não há um aumento de tensão no cordão durante o parto. Tudo vem junto. A grande descida final acontece quando a cabeça do bebê finalmente sai de dentro de sua mãe, mas nesse momento é possível inclusive cortar o cordão, se for necessário. Em dez anos de prática, nunca fiz, nem nunca vi um(a) colega cortar um cordão nesse momento. Se o cordão chegou até ali, dá para o bebê nascer.

O mito do cordão que segura o bebê e que não permita que ele desça no canal de parto é outro que precisamos desafazer. O cordão não tem força para segurar um bebê que desce através da bacia pélvica. Se assim fosse, cedo ou tarde um cordão se romperia com o bebê ainda no meio do caminho e isso não existe. Como foi dito, o cordão está descendo junto com o bebê. O problema é que muitos profissionais de saúde incrivelmente não sabem que o trabalho de parto é caracterizado por esse vai e vem do bebê. Contração vem, bebê desce, contração vai, bebê sobe. Cada vez ele desce mais um pouquinho.

No momento em que o bebê nasce, o útero desce quase até a altura do umbigo, com a placenta colada e acompanhando o movimento de descida. ou seja, tudo vem junto, não se trata de um bebê bungee jumping. Em nível de curiosidade, sabia que o Brasil é um dos únicos países do mundo em que aparece "circular cervical de cordão" no laudo da ultrassonografia? Será que é por acaso que estamos com 52% de cesarianas?

Hoje em dia, entre as parteiras profissionais, já se discute inclusive a necessidade de se sentir se há ou não circular de cordão no momento em que a cabeça sai, e se há qualquer necessidade de se retirar essas alças por cima da cabeça. Pessoalmente penso que não e cada vez intervenho menos. Se a cabeça saiu, o resto vai sair por si só. Deixemos as mulheres e os bebês em paz, eles sabem o que estão fazendo. O monitoramento pode ser feito acessando batimentos, cor e aspecto do bebê.




Depois que o bebê nasce, o cordão não deve ser cortado antes de parar de pulsar. O sangue que está lá dentro pertence ao bebê. Aquele sangue é cheio de células T e hemoglobina, sendo muito importante para o primeiro ano de vida. O ideal é que deixemos esses cordões ligados o quanto for necessário. Podemos deixar até a placenta sair, se for o caso. Não há pressa em se cortar o cordão. O bebê não perde sangue por ali, ele só ganha. Em partos emergenciais a ordem é: não mexa no cordão. Tem até alguns grupos que deixam o bebê ligado no cordão (e portanto na placenta) durante horas e alguns durante dias. Cortar o cordão é apenas um ritual, não importa quando e como o façamos, desde que esperemos que ele pare de funcionar e passar sangue para o bebê.

Cordões umbilicais são fortes, são protegidos e protegem o bebê. Confiemos um pouco mais na natureza, que vem há cem mil anos filtrando os ajustes, montando um processo de parto que seja o mais seguro possível.





E pra quebrar ainda mais esse mito, segue um vídeo de uma mulher que teve um bebê que nasceu com 5 voltas do cordão no pescoço! CINCO!!! Cordão não enforca, cordão não impede o bebê de descer. 



Não importa se é 1, 3, 5 circulares de cordão, isso NÃO é justificativa pra uma cesárea!

Outro vídeo que o bebê nasce com 1 circular de cordão:



Vídeo com 2 circulares de cordão:




Vídeo de parto com 1 circular de cordão:


Outro vídeo com 2 voltas no pescoço


  • E se os vídeos não convencerem ainda, segue um texto do médico obstetra Ricardo Jones
Dr. Ricardo Herbert Jones:

"Minha experiência com circulares de cordão é razoável. Muitas pacientes me procuravam com medo de uma cesariana porque o seu médico falava que o cordão esta enrolado no pescoço, portanto uma cesariana era mandatária, sob pena do nenê entrar em sofrimento.

Circulares de cordão são banalidades na nossa espécie. Um número muito grande de crianças nasce assim. Eu tinha a informação que a incidência era de 30%, mas talvez seja um número antigo ou inadequado. De qualquer sorte, uma quantia considerável de crianças vem ao mundo desta forma. Já tive partos com 3 voltas bem firmes no pescoço, e com apgar 9/10.

É engraçado ver a expressão das pacientes quando conto pra elas que o que me preocupa não é o pescoço, mas o cordão. O fato do pescoço estar sendo pressionado é pouco importante se comparado com a compressão do cordão. A fantasia da imensa maioria das mulheres (mas também dos homens) é que a criança está se ""enforcando"" no cordão. Elas ficam surpresas quando explico que o bebê não está respirando, então porque o medo da asfixia? Acontece que existe espaço suficiente para o sangue transitar pela estrutura do cordão, protegida pela geléia de Warthon que o recobre, mesmo com voltas em torno do pescocinho. Além disso, se houver uma diminuição na taxa de passagem de oxigênio pelo cordão isso será percebido pela avaliação intermitente durante o trabalho de parto (e não antes). E esse evento NUNCA é abrupto. DIPs de cordão, como os chamamos, ficam dando avisos durante horas, e são diminuições fortes apenas durante as contrações, com o retorno para um batimento normal logo após. Marcar uma cesariana por um cordão enrolado no pescoço é um erro.

Sei como é simples e fácil apavorar uma mãe fragilizada contando histórias macabras a esse respeito, mas a verdade é que não se justifica nenhuma conduta intervencionista em virtude deste achado. Por outro lado, a presença deste diagnóstico tão disseminado nos consultórios e nas conversas entre pacientes nos chama a atenção porque, se não é um problema médico, é uma questão sociológica.

Esse exame parece funcionar como um acordo subliminar entre dois personagens escondidos no inconsciente dos participantes da trama, médico e paciente.

De um lado temos uma paciente amedrontada, desempoderada diante de uma tarefa que parece ser muito maior do que ela. Acredita piamente no que o ""representante do patriarcado" lhe diz. Não retruca, não critica; sequer pergunta. Nada sabe, mas precisa do auxílio daquele que detém um saber fundamental aos seus olhos. Diante das incertezas, da culpa, do medo e da angústia ela se entrega, aliena-se. Fecha os olhos e coloca o "anel", que faz com que ela mesma desapareça, entregando-se docilmente aos desígnios dos que detém o poder sobre seu destino. Oferece seu corpo para que dele se faça o que for necessário.

Na outra ponta está o médico. Sofre em silêncio a dor da sua incapacidade. Pensa baixinho para que ninguém leia seus pensamentos. Sabe que pouco sabe, mas também tem plena noção do valor cultural que desempenha. Nada entende do milagre do nascimento, mas percebe seus rituais, muitas vezes ridículos, outras vezes absurdos e perigosos, produzem uma espécie de tranquilização nas mulheres. Não se encoraja a parar de encenar, porque teme que não lhe entendam. Continua então repetindo mentiras, esperando que não descubram o quão falsas e frágeis elas são. É muitas vezes tomado pelo ""pânico consciencial"", que é o medo diante de uma tomada de consciência.Muitas vezes age como um sacerdote primitivo que, por uma iluminação divina ou por conhecimento adquirido, percebeu que suas rezas e ritos de nada influenciam as colheitas, e que o que governa estes fenômenos está muito além de suas capacidades. Entretanto, sabe que os nativos precisam dos rituais, que ele percebe agora como inúteis, porque assim se dissemina a confiança e a esperança. Mente, mas de uma forma tão brilhante, sofisticada e tecnológica, que deveras acredita no engodo que produz.

Ambos, mulher e médico, precisam aliviar suas angústias diante de algo poderoso, imprevisível e incontrolável. Olham-se e tramam o golpe.

O plano que deixará ambos aliviados diante do enfrentamento. Mentem-se com os olhos. Eu finjo saber; você finge acreditar. Peço os exames. Todos. E mais um pouco. Procuro até encontrar aquilo que nos fornecerá a chave. A minúscula desculpa. Eu, com ela nas mãos, posso realizar os rituais que me desafogam da necessidade de suportar a angústia de olhar e nada fazer. Você, poderá escapar da dor de aguardar e fazer o trabalho por si. Poderá dizer que ""tentou"", mas, foi melhor assim. O nenê poderia correr perigo. O cordão poderia deixar meu filho com problemas mentais, etc.

Feito. Pedido o exame, lá estava: O cordão, mas poderia ser o líquido, a posição, a placenta, a ossatura, as parafusetas protodiastólicas. Quem se importa? O carneiro, a virgem, o milho, todos são sacrificados. Quem se importa? Livramo-nos da dor. Anestesiamos nossas fragilidades e angústias. Ritualizamos, encenamos e todos acreditam.

Nem todos! Alguns acordam, mesmo que leve muito, muito tempo."
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