quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Parto do Jorge, bebê da Camila e do Nilton - relato da doula

Dia 1º de agosto (2012) falei com a Camila à noite. Ela estava de 39 semanas e me contou que achava que pela primeira vez tinha sentido uma contração, mas que nem tinha sido dolorida, e que foram muito poucas durante todo o dia. Dia 2 foi lua cheia, e a Camila não deu notícia. Fui dormir pensando nela, no parto dela, imaginando várias coisas. Eis que às 5 da manhã (dia 3) ela me liga. “Acho que minha bolsa estourou, tá saindo muito liquido... as contrações tão doendo”. Perguntei o intervalo de tempo durante as contrações e ela não soube me dizer, disse que ia esperar mais duas e me ligava de volta.

Às vezes a bolsa pode estourar no início do trabalho de parto, e as contrações ainda estarem espaçadas, e levar horas pra ter que ir para o hospital. Assim que desliguei o telefone me dei conta que se a Camila tinha ligado, é porque a coisa tava forte. Ela tem um jeito tranquilão, não tava preocupada com o parto, nem ansiosa. Tinha até me dito que esperava que ele demorasse um pouco mais, pois ela estava de mudança e não tinha terminado de arrumar tudo. Ela é uma mulher forte, que encara bem as coisas. Não é do tipo que fica desesperada na primeira coliquinha, então se ela me ligou é porque a coisa tava pegando. Quando me dei conta disso, imediatamente liguei para ela de volta e durante o telefonema ela teve uma contração. Pela forma que ela respirou durante a contração pude perceber que o TP (trabalho de parto) estava avançado.  Adorei quando ela disse que ia para o chuveiro, e falei para ela que estava indo para lá. Sugeri que ela deixasse a obstetra de sobreaviso.

Meu plano era chegar na casa dela, ver como estava a frequência das contrações e se estivessem a cada 5 minutos, ou mais, doular ela um pouco por lá. Caso estivessem pouco espaçadas, eu iria com ela para o hospital, pois é ruim sentir contrações durante o percurso no carro e ter uma doula ajuda. Peguei minha malinha de doula, tomei um café forte, e quando estava saindo de casa o Nilton, o pai, me ligou dizendo que as contrações estavam de 3 em 3 minutos e eles estavam indo para o hospital. Avisei que os encontrava lá.

Ao chegar no hospital encontrei a Camila sendo examinada por uma ginecologista de plantão numa sala da emergência. Assim que a vi percebi o TP avançado, larguei todas as coisas no chão e fui até ela. A Camila se mexia de um lado para o outro, com dor, respirando profundamente. Uma típica mamífera em trabalho de parto. Comecei a esfregar suas costas, ela se agachava e balançava, estava indo muito bem. A médica disse que ela estava com 9cm já.

“Uau” – pensei, ela aguentou o TP todo sozinha de madrugada, e conseguiu chegar quase parindo! Quantas mulheres teriam corrido para o hospital na primeira cólica?! Fiquei admirada da Camila. Então ela começou a dizer que estava sentindo vontade de empurrar. Um enfermeiro trouxe uma cadeira de rodas e ela foi levada às pressas para o centro obstétrico, nem pudemos ir para o quarto. O Nilton começou a cuidar da burocracia da internação, da papelada toda. Quem, com o bebê nascendo, vai ficar lendo termos de contrato? Fiquei pensando em como somos levados a aceitar todos os termos, assinando correndo, pois não temos outra escolha.

Corri atrás da Camila e uma enfermeira me mandou vestir aquela roupinha azul linda. Toquinha, máscara, roupa completa. Nem parece que parto normal é fisiológico, eu tava me vestindo é pra uma cirurgia! Eu carregava um monte de coisa, minha mochila com todos os acessórios de doula, uma sacola com outros acessórios, as roupas da Camila que tinham ficado no consultório, a malinha da maternidade com as coisas do bebê, e a coberta do bebê. Onde eu ia largar tudo isso? Me vesti correndo e perguntei a uma enfermeira onde eu poderia deixar as coisas pois não podia entrar com elas no centro obstétrico. Ela falou “no quarto ué”. Expliquei que a gestante chegou parindo e nem passamos pelo quarto. Ela então, super de má vontade, me falou pra bater “naquela portinha ali”. Fui lá carregando tudo e segurando a calça verde que me deram tamanho G (e eu uso M) e tava caindo. Quando entrei, era a sala de convivência das enfermeiras. Todas me olharam feio, eu expliquei a situação e falaram “aqui não, vai por aquela outra porta ali”... era a porta pro centro obstétrico, de repente eu estava entrando com as coisas no centro obstétrico. Veio outra enfermeira me dizendo que eu não podia estar com aquelas sacolas lá. (ai ai ai!). Acabei indo até onde a Camila estava, e largando tudo no chão perto da porta. Veio outra enfermeira e pegou tudo e levou sabe-se lá para onde!


A Camila estava numa maca reclinada, em posição semi-sentada, com as pernas no apoio, tendo contrações. Tinha acabado de chegar à dilatação total. Eu não tinha minhas coisas à mão, e não tinha acesso às costas dela. Me restou a voz e as mãos para fazer o que precisasse para dar um apoio pra ela. A sala estava CHEIA de enfermeiras, era troca de turno e elas aparentemente não tinham mais nada pra fazer. Um momento super íntimo na vida de um casal, sendo tratado como “show”.  Então uma enfermeira falou que só podia um acompanhante na sala, e que eu teria que sair caso o pai quisesse entrar! Por sorte a obstetra assumiu e chamou o pai pra entrar junto comigo.

É impressionante, havia um monte de enfermeiras à toa assistindo o parto e não podia ter o pai e a doula na sala?! Algumas saíram e ficaram conversando do lado de fora, com a porta da sala aberta. O Nilton foi ótimo! Foi lá e fechou a porta de cara feia! Era o filho dele que estava nascendo, e não mais uma paciente qualquer. Mesmo assim ficaram algumas... Antes de ele fechar a porta eu ouvi uma conversinha entre elas “quem é aquela ali (olhando para mim)?”, “ah é a tal doula”, “ah e pra que serve uma doula?”, “pra nada, só pra ficar falando palavras bonitinhas pra gestante”... Ah se elas soubessem de fato...

No meio de uma contração uma enfermeira se aproximou da Camila e começou a perguntar se ela teve hipertensão e isso e aquilo! No meio de uma contração, que falta de noção! Eu olhei pra enfermeira e falei “a gestação dela foi toda saudável, não teve nada”, e ela saiu.

Eu tentei ajudar a Camila como dava, dando incentivo, fazendo carinho, massagem nas pernas que deviam estar cansadas de ficar na mesma posição. O tempo todo mudávamos a inclinação da maca, a Camila não parecia confortável. O bebê já estava entrando no canal vaginal, mas as contrações continuavam a cada 3min, 2min, não estavam completamente intensas e coladas umas nas outras. Vi no canto da sala a banqueta de cócoras, e perguntei se não poderíamos usa-la caso a Camila achasse mais confortável. A resposta foi negativa, “O campo estéril já está montado”...  É, parto é fisiológico, mas tratam como se fosse uma cirurgia!

Perguntei se podia apagar a luz que tava super clara e bem em cima da parturiente, não podia... O ambiente não estava nada favorável, o jeito agora era eu me concentrar completamente na mãe, e tentar visualiza-la bem protegida e torcer pra que ela conseguisse abstrair tudo aquilo. A Camila estava sendo super forte! E fazendo força quando bem entendia! É tão bom deixar nosso corpo nos guiar não é mesmo? Mas ai começaram a orientar a força dela, “vai faz força, não assim, agora não, agora sim”.. que droga, não atrapalhem ela! Ela mal tinha dormido, estava cansada, e imagino que essa pressão pro bebê nascer logo e ela não poder mudar de posição não estavam ajudando. Como ela tava se sentindo fraca a médica orientou que as enfermeiras trouxessem um soro glicosado “mas só com a glicose tá, não tem mais nada nele”.

A médica não era humanizada e achava que se o expulsivo demorasse um pouquinho que fosse ela teria que intervir. A Camila chegou ao hospital quase com dilatação completa, até parece que o corpo dela não saberia fazer o resto do processo! A médica dizia “essas contrações estão curtas, não estão ajudando ele a sair”. Ela checava a Camila toda hora, dizendo “o bebê já ta no canal, o bebê já ta perto”.. Com as contrações a gente via a cabeça dele se aproximando da saída do canal, e depois retrocedendo um pouco, o que é absolutamente normal, mas estava deixando a médica impaciente.

Então ela virou para a enfermeira e falou “me traz uma ampolinha de ‘apoio moral’’. Eu não tava acreditando que ela ia aplicar ocitocina sintética numa gestante que estava indo super bem e já tava no expulsivo!! Apoio moral seria ter tirado as enfermeiras em excesso da sala, apagado a luz, deixado usar a banqueta de cócoras, e acreditado que a Camila conseguiria por seu filho no mundo, isso sim é apoio moral!

A ocitocina foi aplicada no soro e chamaram a pediatra de plantão. A Camila estava um pouco tensa mas aguentando tudo muito bem, a cada contração eu tentava lembra-la de abrir a boca, se soltar, fazer “Aaaaa”. Eu mesma fazia e ela me acompanhava. O bebê foi saindo um pouco mais e durante as contrações dava para ver o cabelinho dele. A médica falou para o Nilton “olha pai, o cabelinho dele, ta pertinho”. O Nilton ficou o tempo todo ao lado dela, dizendo que ela estava sendo ótima.

Então chegou a pediatra, que pediu para trocar de lado comigo. De repente ela estendeu o braço pra mim, pedindo para eu dar a mão para ela para fazermos força na barriga. Imediatamente soltei sua mão e falei “desculpe, mas não vou te ajudar a fazer um kristeller (empurrar o fundo do útero fazendo força na barriga da parturiente) nela”. Senti que ela não gostou de ser questionada, mas eu não podia ajudar em algo que eu sei que faz mal! Então a pediatra começou a apoiar o fundo do útero (parte alta da barriga) da Camila com a mão para, segundo disse ela, ajudar o bebê a não voltar tanto depois de cada contração. Criticou a Camila dizendo que ela estava fazendo força errada (não se critica gestante parindo!). Que necessidade é essa de apressar tudo? Estava tudo indo bem.

Enquanto eu tentava falar para a Camila gritar se sentisse vontade, abrir a boca, gemer, fazer “A”, a pediatra começou a dar orientações contrarias, “coloca o queixo no peito, segura, não grita no inicio, não faz força agora”... Ela estava fazendo uma manobra de valsava. Ao invés de deixar a parturiente comandar o seu próprio processo, a pediatra tentava controlar o fisiológico alheio. A Camila sentia uma contração vindo e perguntava agoniada “Posso fazer força agora? Eu quero fazer força” e a Pediatra “agora não segura, segura.. isso, agora sim, vai força força”, e empurrava com uma mão a barriga dela para baixo. Ah como eu queria tirar aquela mulher dali pra deixar a Camila mais a vontade!

A obstetra não tirava a mão da Camila, porque tantos médicos acham que o parto não funciona sem eles intervirem?! O Jorginho começava a apontar para fora, e a obstetra impaciente com o expulsivo “longo” (que não estava nada longo, era só ter paciência para mais algumas contrações). Ela então disse “Camila, vou ter que fazer um corte pra ajudar ele a sair logo”. Então a Camila saiu de sua partolândia (ela estava super concentrada) e falou “não, episiotomia não! Não quero!”, e a médica insistia “mas é bom Camila vai te ajudar”, e ela respondia “não não quero!”.

Me senti orgulhosa dela por ser tão decidida sobre o que quer no seu parto e conseguir recusar assim!! Continuei a dar todo o incentivo positivo pra ela, o Jorge estava chegando!! Nilton assistia tudo mais ao lado, completamente absorto e emocionado! Então com mais uma contração a cabecinha saiu inteira, e na contração seguinte o corpinho dele

O Nilton deu um pulo de alegria, jogando as mãos para cima, como se comemorasse um gol do Brasil na copa!! “meu filho! meu filho!” Ele veio feliz para o lado da Camila enquanto a obstetra cortava imediatamente o cordão (custava esperar?) e colocava ele no colo da Camila. O bebê estava ótimo! Super alerta!! Já foi abrindo os olhos e esticando a mão para sua mãe. Nilton beijava a Camila emocionado, dizendo que ela era mulher mais forte e maravilhosa do mundo! Que ela foi incrível, que ele tava muito orgulhoso dela!! Eu também estava! Que mulher incrível você é Camila! O Nilton não se continha em si de tanta felicidade, me deu um abraço dizendo “estou tão feliz!”. Todos estávamos! E a Camila, se recuperando do esforço, olhava para seu filhote que não chorou e respirava calmamente, todo firme em seu colo. O tempo parou, por um instante tudo foi a mágica da chegada do Jorge, era só felicidade, só ocitocina no ar! Ele nasceu apenas 1 hora depois dela ter chegado ao hospital, lá pelas 7h da manhã.

Jorge pesou 2.800kg, nem o peso justificaria uma episiotomia!! A pediatra deu um tempo para o casal (ao menos isso)! Enquanto isso a médica dava uns puxões no cordão para a placenta soltar (o que não costuma ser a melhor coisa a ser feita). A placenta saiu inteira, linda. A médica mostrou o saco amniótico, o lado que gruda na mãe, o lado que fica voltado para o bebê, e a Camila olhou curiosa.

Então a pediatra pediu para levar o Jorge para os primeiros cuidados, e a Camila pediu para o Nilton ir atrás, enquanto eu ficava com ela. Foi só aí que ouvimos o Jorge chorando, fizeram a aspiração (que ele claramente não precisava, mas mesmo assim fizeram), aplicaram a vitamina K... Eu dizia para a Camila “você viu que lindo ele é! Você conseguiu!!”

Ela teve uma laceraçãozinha de nada, só na mucosa, precisou só de uns 5 pontos, que a obstetra deu com anestesia. Porém teve uma laceração menor ainda na parte mais funda do canal, que precisou só de 2 pontos. Certamente obstetras humanizados nem teriam costurado, pois sabem que o corpo se recupera, e não vale a pena submeter a mulher a uma costura de mucosa se foi tão pequeno o corte. Foi aí que senti que a médica estava “penalizando” a Camila por ter recusado a episiotomia (que teria sido um corte muito mais profundo, pegando mucosa e músculo). A médica insistiu em costurar a mucosa do fundo, e para isso teve que forçar os instrumentos a chegar até lá. Ela ficava dizendo “viu, a episitomia teria sido melhor, mas você não quis”. Nessa hora a Camila sentiu muita dor, ela perguntava se não podia deixar cicatrizar sozinho e a médica dizia “não posso deixar você assim”, mas esses pontos do fundo realmente estavam doendo, pois estavam bem inacessíveis e a médica forçava a mucosa pra conseguir chegar neles. A Camila reclamava da dor e dizia que preferia parir de novo a ter que aguentar esses pontos. Então a médica mandou chamar o anestesista (!!!!) e sugeriu que desse uma raquidiana nela! A Camila, forte como é, se impôs novamente! “Você ta doida que eu vou tomar uma ‘raqui’ que é pra cesárea, só pra costurar 2 pontos! Aguentei o parto todo, não vou tomar coisa nenhuma! Ainda mais pra ter que ficar mais horas aqui esperando a anestesia acabar!”. Nem poderia tomar mesmo! Comeu antes de vir ao hospital! Perguntei “mas não da pra deixar cicatrizar assim?” e a médica “não, não dá, ela ta sangrando” (claro que ela tava sangrando, ela acabou de parir! O útero sangra). Então deram uma dose alta de dipirona (ao menos disseram que era isso) pra ela, e ela ficou um pouco “grogue” do remédio, e mesmo assim sentiu dor. Eu fiquei falando sobre o Jorge com ela, tentando faze-la  pensar em outra coisa pra costura passar rápido.


Quando tudo acabou foi um alívio, nos levaram para um quarto ao lado. No meio do caminho a pediatra me abordou perguntando por que eu não gosto do Kirsteller e eu disse, educadamente, que desde 1986 a OMS não recomenda mais pois aumenta a chance de ruptura uterina e ruptura no períneo, e que é desnecessário e meio violento... ela fez uma cara pra mim do tipo “o que que essa doula sabe?”. Mas pra não ficar um clima ruim eu pedi desculpas pelo jeito que falei com ela no “calor do momento” e ela replicou “não tudo bem, você foi até legal, aceitou trocar de lado comigo, tem doula que não deixa nem eu chegar perto”.

O Nilton chegou com duas enfermeiras e o bebê enroladinho. Logo colocaram o Jorge pra mamar. Ficamos 1 hora no centro obstétrico ainda, esperando liberarem os papeis do Jorge, que teve apgar 10. O Nilton não parava de elogiar a Camila, completamente admirado dela! 

Finalmente fomos para o quarto, o Nilton foi buscar comida pra ela, e eu ajudei a Camila a acertar a pega da amamentação. O Jorge foi um bebê muito esperto, e logo estava mamando tranquilo. Quando a família chegou o bebê dormia e eu me despedi, muito feliz pelo casal, e muito orgulhosa da força deles!


Apesar de algumas intervenções, e do ambiente hospitalar não muito apropriado, o Jorge e a Camila tiveram os benefícios de um parto normal quase natural (não fosse pela ocitocina no expulsivo). Dentro do possível foi um parto bonito e tranquilo. Os dois se beneficiaram de todos os hormônios do amor, e de todo o trabalho de parto que a Camila passou em casa, o Jorginho nasceu ótimo, mamou na primeira hora de vida e ficou com seus pais no quarto. Camila se recuperou bem, e só não foi melhor por que a médica esqueceu (!!) um resto de gaze dentro dela, que só foi notar 5 dias depois (poderia ter tido uma infecção terrível por causa disso!).

 Em uma conversa pós-parto ela me contou que o próximo parto pode ser em casa, que ela viu que dá conta de tudo, mas que precisava da experiência do hospital para saber como é (quando o médico é humanizado e respeita a fisiologia e o tempo do corpo da mulher, da pra ter uma experiência ótima tanto no hospital quanto em casa). Claro que você da conta Camila!! Mulher parideira você!! O Parto foi todo seu, você que fez!

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