sábado, 9 de agosto de 2014

Relato de Parto da Lara - filha da Aláya

Relato de Parto da Lara - filha da Aláya

 Pensei em alguns títulos para este relato como: “quando uma doula planeja um parto domiciliar e acaba numa cesárea” ou “quando o parto real foi bem diferente do idealizado - dei azar na estatística”. Apesar de tudo ter saído diferente do que eu esperava, esse não é um relato de violência nem de tristeza.   


 Eu havia passado a semana inteira em pródromos (pré trabalho de parto, contrações irregulares que vem e somem). Tive vários alarmes falsos, vinham contrações, vinha uma cólica, sentia a cabeça da minha filha encaixando e empurrando para baixo, sentia uma pressão nos ossos do púbis... e ai tudo parava. Depois de alguns dias em pródromos eu já não estava nem dando bola. Eu sabia que estava acontecendo, que uma hora “engrenava”, mas foram tantos dias dessas contrações que vão e vem e só causam um desconforto e somem quando você começa a achar que é TP que eu desencanei. “Vai vir a hora que tiver que vir”. E todo dia eu ia dormir com elas, pensando “será que é essa madrugada”? E toda manhã eu acordava com tudo parado, e mais um dia se seguia. Sábado a noite comecei a achar que tinha algo meio ‘travado’ (coisas de medicina chinesa) e resolvi fazer uma acupuntura em mim mesma. Foi incrível! Bastou que eu colocasse as agulhas que a Lara começou a se mexer muito no meu útero, senti que fez algum efeito. Mas domingo de manhã veio e nada... veio a noite e vieram as contrações, como todas as noites anteriores. Era dia 30 de junho e eu senti que elas estavam um pouco mais fortes que nos dias anteriores, mas como já fazia 1 semana de alarmes falsos, tentei não dar bola. Lá pela meia noite meu marido foi dormir e me perguntou “será que eu vou trabalhar amanha?” --  “hoje ta um pouco mais forte, mas todo dia eu tenho contrações antes de deitar, então difícil saber, amanhã a gente descobre, boa noite”.


Apesar de beber bastante água eu nunca fui de levantar a noite para ir ao banheiro, sempre dormi a noite inteira. Inclusive tinha medo de passar o trabalho de parto madrugada adentro pois nunca fui uma pessoa que lida bem com noites em claro e privação de sono. Deitei e senti a barriga endurecer algumas vezes antes de pegar no sono.

Naquela madrugada eu acordei as 2 da manhã com vontade de ir ao banheiro, ao baixar a calcinha o sinal: sangue! Fiquei feliz!!! Era só um filetinho de sangue, eu sabia o que significava, era a dilatação começando. Era o primeiro sinal de que algo diferente acontecia. A barriga continuava endurecendo.
“Oba acho que hoje vou parir!” Fiquei empolgada. “Calma Alaya, não se empolgue muito, você precisa dormir” – meu eu doulístico falava.. “É só inicio de fase latente, são apenas duas da manhã, vai descansar enquanto você pode, pode demorar, pode nem ser hoje”.

Bem, difícil controlar a animação né. Fui para a sala e peguei o celular só pra ver de curiosidade se havia algum intervalo entre as contrações. Estavam de 6 em 6 minutos... estranhei, não estavam fortes, eu esperava um intervalo maior, pelo menos de 10 minutos.. Contei umas 5 contrações, curtas, mas de 6 em 6. “ok, contrações atípicas mas é assim mesmo, cada TP é um TP”. Enquanto isso conversava com um amigo que vi online e ia me acalmando..

Hora de voltar a dormir.. deitei no sofá mesmo, acordei umas 3 horas depois, com frio. Voltei pra minha cama, era 5:30 da manhã... deitei, uma contração mais forte. “Nossa essa doeu um pouco, mas relaxa Alaya, o sol nem nasceu ainda, descansa” – minha doula falante não parava de tentar me orientar.
Mais uma contração... “ai essa foi mais forte”. Acordei o Felipe “acho que você não vai pro trabalho hoje”. E então veio outra contração e desisti de ficar na cama, tava desconfortável demais ficar deitada.
Estava escuro ainda, era 6 da manhã, o sol nascia -- “ó que bonito, vou ver o dia raiar” – pensei. Decidi tomar um banho quente para ver se as contrações paravam, só pra checar se não era alarme falso de novo por desencargo de consciência. Continuaram a vir ritmadamente.

 Como estava sentindo as contrações mais fortes fiquei curiosa para ver novamente se tinha algum intervalo. Foi estranhamente difícil entende-las, eu, que já tinha visto partos, que já tinha ajudado outras mulheres a contarem o intervalo de contrações delas... não estava entendendo as minhas. A onda não era “uniforme”.. ela vinha, endurecia, doía, endurecia, ia embora... mas não entendia bem onde começava e quando terminava.. quando tinha realmente terminado e quando estava apenas “reverberando” a sensações... mas tentei prestar atenção, me conectar... estavam irregulares, mas o intervalo era de uns 3min! “Como assim?!”  Duravam pouco, menos de 1min, não eram contrações de trabalho de parto em fase ativa.

Estava cedo pra avisar alguém, eu nem estava incomodada nem nada. Esperei, queria curtir o momento. Fiquei apoiada de joelhos no sofá, reclinada sobre as almofadas, tranquila, feliz, extremamente feliz que finalmente tinha chegado meu dia de parir. Fiquei quietinha ali sentindo meu corpo, sentindo minha filha mexer, até umas 7:30 da manhã. Marido levantou e me olhou pedindo confirmação de que era TP mesmo... era, era sim, “hoje você não vai pro trabalho.”


Eu queria curtir as contrações até estarem bem dolorosas, até eu achar que está mais perto de nascer. Meu TP me dobrou, me quebrou ao meio, eu não era mais doula, eu era só a Alaya, animada e ansiosa pra parir. Eu não sabia de nada. Eu queria chamar a equipe só quando estivesse entrando na fase ativa, mais pro final, nada de chamar cedo demais. Mas eu não sabia de nada...

Eu não sentia medo, estava muito tranquila, estava tão tranquila que comecei a lembrar dos partos que vi e que soube que foram rápidos demais. Me lembrei de algumas amigas de Brasília, de duas diferentes que a equipe não teve tempo de chegar, de outra que não deu bola pras “cólicas” e quando foi ver já tava com 7cm. Lembrei de uma linda cujo parto acompanhei que achou que tava “passando mal” (por que o marido estava doente), e quando descobriu que era parto chegou ao hospital com 9cm. Lembrei de uma mulher incrível que teve um parto que durou 3 horas apenas.

“A cabeça atrapalha” já dizia a parteira mexicana Naoli Vinaver, minha cabeça atrapalhou. Parto de doula, que lindo né! Confiança no corpo? Check! Sem medo da dor? Check! Confiança na equipe? Check! Acreditar na fisiologia, no corpo se abrindo, na perfeição dos hormônios? Check! Eu tinha tudo isso, me sentia bem com meu corpo, feliz com meu parto; mas a cabeça não desligava, a doula falante dentro de mim não se calava. De que adianta saber que tem que se entregar. “Não pense em macaco”. Pensar em não pensar é o mesmo que pensar...

Então a cabeça dizia “Você tá sentindo essas contrações desde as 11 da noite, as 2 da manhã percebeu um possível início de dilatação, dormiu, relaxou, as contrações estão mais fortes, e próximas (ainda que de curta duração), já fazem 8horas desde que você começou a sentir tudo, alguma progressão pode ter tido, o TP parece estar avançando, melhor chamar a equipe agora e se enganar do que ser um desses casos rápidos e chamar tarde demais”


E eu me enganei... foi o intervalo curto, eu me enganei... Telefonei pra Katia e pra Gisely (minhas parteiras queridas, as enfermeiras obstetras). Eu estava tão descrente desse intervalo entre as contrações que até menti pra elas, aumentei um minuto “olha, ta tudo tranquilo, ta tudo bem, mas o intervalo entre elas está de 4 minutos, mas estão durando pouco, achei melhor avisar, vai que né...” Telefonei pra Mirella (doula), pedi pra avisar a fotógrafa (Cristiane, do "amor em foco"). “pode vir sem pressa”.

Fiquei muito feliz quando a campainha tocou e a Mirella e a Cris chegaram, e logo chegaram as parteiras, Katia e Gisely. Eu ria entre as contrações, estava um dia lindo. As quatro trouxeram mais alegria pro apartamento. Fomos ao quarto me avaliar (eu queria um toque, meu primeiro em toda a gestação) e verificaram que eu estava com o colo quase totalmente apagado e 2cm de dilatação.

Não, não gostei da informação. As contrações continuavam próximas e curtas, e já estavam doloridas, eu já fechava os olhos e respirava fundo com elas vinham, não era como aquelas mulheres que tanto vi conversando e rindo tendo contrações quando estavam nessa fase... eu achei que estaria pelo menos com uns 4cm. Na minha cabeça se passaram muitas coisas, minha doula tagarela interior dizia: “você sabe que dilatação não quer dizer nada, que não existe padrão certo pra parir, que o que importa é deixar as contrações fazerem o trabalho delas, você pode passar horas com a mesma dilatação e de repente dilatar bastante em menos de uma hora, cada parto é um parto” – de forma não verbal era essa mensagem que eu passava pra mim mesma... mas se misturava com “putz com 2cm eu nem teria sido internada na casa de parto” – “poxa fiz elas chegarem aqui cedo demais” – “po, a madrugada toda... achei que estaria mais evoluída”. É, a gente pensa essas coisas, mas minha tagarela interior fez uma mensagem se sobrepujar a todas as outras “o que importa é que o trabalho de parto começou, você não tem controle sobre sua dilatação e suas contrações, um passo depois do outro, esquece o tempo, esquece as medidas, curte cada contração”. Eu me convencia disso, cada vez que vinha algum outro pensamento eu reforçava pra mim mesma “entrega, deixa fluir e acontecer”.

Acho que fiz isso relativamente bem durante toda a manhã. Eu estava sim um pouco assustada com a dor, pois não era a dor que eu esperava pra um início de fase latente, tantas pessoas eu tinha visto em situações bem diferentes, batendo papo e levando a vida normal nesse período, e ali estava eu, já tendo que lidar com contrações.

Quando voltei para a sala a Mirella tinha ascendido minhas velas, eu adorei que ela lembrou disso, eu queria muito o fogo delas aceso. Minha mãe me trouxe o açaí que eu tinha comprado especialmente pra tomar no parto, um mimo alimentar. Eu caminhava pela casa, me pendurava no rebozo, me apoiava na bola. A Mirella me trouxe duas bolsas de sementes quentes para os ombros e para as costas que aliviavam durante as contrações e me ajudavam a relaxar.



Decidi que pra ajudar a me desligar e mergulhar no processo, eu ia pro chuveiro. Hora de relaxar, ficar sozinha. Não sei quanto tempo se passou, são memórias nebulosas. Só lembro da felicidade que eu sentia em cada contração no chuveiro, lembro do Felipe indo ver se eu estava bem, e do amor transbordante que eu sentia por ele ali comigo. Eu conversava com a Lara e dizia que queria pegá-la nos meus braços.



Quando saí do banho vi que apenas a Mirella estava ali comigo. As outras mulheres tinham saído para almoçar e eu achei bom, não queria que elas se sentissem “presas” na minha casa, agora que eu sabia minha dilatação, sentia que talvez fosse demorar mais que eu esperava.

Logo elas voltaram. A Cris trouxe chocolate, adorei! Minha mãe me oferecia mais açaí. As cortinas da sala estavam fechadas, o ambiente me envolvia aconchegantemente. Mais uma avaliação, quatro horas depois da primeira: 4cm - “ok, ta lento mas está indo, um passo depois do outro” – é o que eu pensava. A dor aumentava, a intensidade aumentava, nesse momento eu já não fazia mais ideia de tempo, duração, horas. Eu sentia que eu estava indo bem, que tava tudo bem. Ouvi a Katia ao telefone e logo ela veio me contar que ia arrumar uma banheira para eu poder ficar na água. 



Começou a doer bastante e eu já não achava mais posição confortável. De repente após uma contração abri os olhos e vi a Rosana (obstetra) na minha sala. Foi uma agradável surpresa. Ela estava com um sorriso convidativo, e trazia sua banheira consigo. Ia me emprestar, a banheira nunca antes usada. “Que legal vou estrear sua banheira!” – eu disse. Gratidão é tudo que eu sentia.


Não sei como conseguiram mas eu mal pisquei e a banheira já tava ali cheia. Lembro do Felipe ajudando com tudo, bomba de encher, mangueira. Não lembro o tempo passando até a banheira estar cheia a ponto de eu poder entrar, mas quando entrei foi amor, amor líquido!  Eu derreti entrando naquela água quente, ahhh alívio!! Devo ter falado um monte de vezes para a Katia o quão eu fui idiota de achar que eu não ia querer banheira. Sim, falei durante nossos encontros que não precisava de banheira, que eu ia parir no chuveiro mesmo, ou em qualquer canto; era inverno, ia estar frio, eu não ia querer entrar na água, banheira da muito trabalho... Obrigada Katia por não me ouvir! Obrigada!


No calor da água o tempo se diluiu, uma contração, outra, outra.. deitada, relaxada, de joelhos, apoiada na borda... gemidos e contrações, o Felipe trazendo baldes de água quente para repor impedindo que a banheira esfriasse, a Gisely jogando a água da mangueira nas minhas costas, a Mirella com seu olhar atento e palavras de apoio, a Katia com sua presença, minha mãe me trazendo minha dose de Florais de Bach. Eu não as via, e as via ao mesmo tempo. Suas presenças ali não me incomodavam, me sentia acolhida, sentia amor.



 “Vocês são tudo loucas de passar por isso, vocês todas ai que pariram” eu falava pra Katia, pra Mirella, pra Cris.. “pra que que eu fui inventar de me meter nessa roubada!” – Eu falava isso, mas falava rindo, não era uma roubada, era só vontade de reclamar, de colocar pra fora, de tirar sarro da minha situação, da minha dor física, da dor que não era sofrimento, eu tinha escolhido tudo aquilo e não queria diferente. “Todo mundo diz isso né, eu sei... e nem é fase de transição, mas essa coisa de parir é tudo pra maluca”. Eu via a Mirella e a Cris na minha frente, eu sentia a amizade palpável no ar – “deve ser ocitocina, ta tudo muito amor isso aqui <3” (eu pensava secretamente). Eu ficava me imaginando naqueles partos de antigamente, cercada de mulheres, eu estava feliz com as presenças ali, as parteiras, minha mãe. Eu me inundava de felicidade com a aproximação do Felipe, que do modo dele me deu o apoio que eu precisava, as palavras de incentivo, os sorrisos, o carinho no olhar -- disso eu lembro bem.


As contrações doíam, sim doíam cada vez mais, pareciam vir mais fortes, pareciam durar mais. Eu me nutria de esperança. Eu ia parir, ia conhecer minha filha! Eu já fechava os olhos entre as contrações, respirava fundo, gemia, esquecia do mundo. Elas vinham me atropelando, com força, com dor, me dizendo “você não tem controle nenhum aqui, ela vem e vai na quando quiser, na intensidade que ela quiser, você só precisa passar por ela, uma depois da outra”. E eu passava, uma depois da outra. Não sei quantas horas fiquei na banheira, me disseram que foram muitas!

Um dos melhores momentos pra mim foi quando o Felipe veio ficar ao meu lado, ele me dizia palavras de incentivo. Ligaram minhas músicas, minha setlist de parto. Começou a tocar “paciência” do Lenine, parecia que era pra mim:

“Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para
Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora vou na valsa
A vida é tão rara”

Eu cantava e olhava para o Felipe que me fazia carinho no rosto, senti minhas lagrimas escorrerem, lágrimas boas, era felicidade, emotividade do momento. “A vida não para, ela pulsa dentro de mim, o tempo pede pressa mas eu vou no meu ritmo. Tudo isso é tão raro, tão precioso, só preciso ter paciência”.  E o tempo foi passando...


 Lembro de alguém dizer que eu já devia estar na fase ativa, as contrações estavam mais fortes, durando mais tempo, eu já não conversava tanto, sentia mais pressão. Se eu fosse a doula desse parto eu acharia a mesma coisa. Me animava com a ideia de que devia estar um pouco mais próximo dela nascer.

Eu já estava a muito tempo na banheira e aos pouos o ritmo parecia ter diminuído. A Katia se abaixou e me perguntou se eu não queria sair um pouco, eu topei pois eu realmente estava pensando em sair. Fizemos outro exame de toque, a meu pedido, já fazia umas 7 horas desde o último, acho que devia ser por volta das 19h.



4 centímetros... quatro... colo igual, não tinha terminado de apagar, estava igual desde as 8 da manhã. Foi duro, dureza. Doeu em todas nós. Claro que eu me abalei, eu não queria me deixar abalar. “Vou para o chuveiro, fazer essas contrações funcionarem”. E fui. E no chuveiro eu rebolei, eu gemi, eu xinguei, eu reclamei das contrações, eu me agachava e ficava de cócoras quando vinha uma, eu me apoiava no banquinho plástico que coloquei no box, e me agachava...

O Felipe vinha me dar força pra continuar. Depois vieram a Mirella e a Katia. Eu chorei, chorei por que ali no chuveiro estava caindo a ficha que talvez as coisas fossem diferentes do que eu esperava. Chorei por que em 12h eu havia dilatado apenas 2cm. Chorei a fase latente prolongada, o medo de ficar cansada antes de chegar ao fim. Comecei a ter medo, e não é bom ter medo no parto... Estava doendo e estava demorando, quanto mais eu ia aguentar? Chorei por que queria parir minha filha ali, no chuveiro, queria sentir ela escorregando dentre minhas pernas, empurrando para baixo, queria pegar seu corpo molhado e cheio de vernix, queria cheira-la e segurá-la nos braços. Eu a desejava ardentemente, eu queria parir ali, e via meu parto se afastando de mim...

Porque essa lentidão toda? Porque não evolui? Está doendo tanto, era pra estar mais adiantado... não entendo... "A dilatação por si só não quer dizer muita coisa, o importante é as contrações estarem 'boas', eficazes" - eu repetia para mim mesma. Eu tinha contrações ritmadas, fortes, muito fortes, longas... mas nada... me sentia obstruída. E ai comecei a lembrar dos partos que vi, dessa vez não dos rápidos, dos tsunâmicos; lembrei dos partos arrastados, dos partos distócicos, dos partos que pediram intervenção, ocitocina... Eu chorei e falei para a Katia “não quero ir para o hospital”. Eu não estava pronta pra entregar as pontas pra transferência, ainda não. Eu ia rebolar e caminhar e fazer esse colo do útero reagir.

Elas entenderam que eu não estava pronta, eu precisava ter meu tempo. Sugeriram que eu descansasse, tentasse deitar, fazer o corpo recuperar as forças. Eu deitei. Contrações deitadas não são boas, nada boas, como alguém consegue parir deitada? Vontade de morrer a cada contração deitada na cama, muito pior nessa posição! Como alguém consegue parir em hospital? Sem essa liberdade toda que eu estava tendo?! Me alimentaram, chocolate, sorvete, mel, água... E ai eu vomitei tudo. Minha mãe prendeu meu cabelo de um jeito engraçado, pro alto, eu levantei pra ir ao banheiro lavar a boca e tirar o gosto de vômito. Eu ria da minha situação, aquele cabelo preso ridículo, minha cara de cansada, vomitada. Felipe me ajudou, e na confusão que eu tava peguei a primeira escova de dentes que tinha na minha frente, era a dele! “Ahhh não acredito você usou minha escova pra limpar o vomito!” foi o que eu ouvi! Rsrs. Ops! 

Voltei para a cama, ainda não tinha conseguido descansar. Minha doula, a Mirella, ficou lá comigo. As bolsas quentes de semente me ajudavam, e as mãos mágicas da Mirella conseguiram me acalmar. Cochilei, entre uma contração e outra eu apaguei. Uma e outra contração, mas consegui descansar um pouco. Acordei com uma bem forte, senti calor, queimação, achei que era a bolsa quente de sementes, pedi que tirasse, mas não era, estava fria já. Era a contração me acordando e queimando por dentro.

Quando me levantei saiu um enorme tampão, veio com tudo, cheio de sangue. O descanso tinha funcionado, acordei com as contrações ainda mais fortes, e dessa vez voltando a ter um ritmo. Nos enchemos de esperança com o tampão – “quem sabe alguma coisa mudou aqui dentro, quem sabe agora vai, agora destrava, agora afina o colo, agora dilata”. Ninguém precisava falar, todas pensavam isso, eu acho.


 Caminhei para a sala, queria me ajoelhar no sofá, queria uma posição que ajudasse a dar espaço pra Lara rotacionar, ela ainda estava com o dorso à direita. Bebês com dorso à direita nascem, só precisam rodar, nascem todos os dias, a Lara ia nascer. Gisely veio mais uma vez com o Doppler avaliar os batimentos cardíacos dela. A Lara havia descido mais, não encontramos seu coração onde encontrávamos antes, estava bem mais baixo, lá no púbis, mais um bom sinal, depois de tantas horas sem mudança, qualquer alteração era bem vinda.

Eu estava cansada, e as contrações vinham sem dó, muito fortes, doíam muito, muito mais que eu esperava. Mas o que mais me atrapalhava era a cabeça, era pensar que doía assim com aquela dilatação, que eu mal estava na metade do caminho, que ainda tinha 6cm pra dilatar, e não sei mais quantas horas de trabalho de parto. Eu pensava que seria fácil aguentar se eu soubesse que faltava pouco, se eu soubesse que estava “fazendo efeito”. O problema não era a dor física, era a sensação de que estava sendo uma dor ineficaz.


A Mirella tentava me ajudar com massagens e pressão no quadril, as vezes era bom, mas na maior parte do tempo eu não quis ser tocada, era como se o toque me tirasse o foco. As contrações me atropelavam, com certeza já duravam mais que 1min. Eu testava formas de lidar com elas, vocalizando mais ou menos, gritando ou não... Eu gritei bastante, mas gritar não me ajudava (como parecia ajudar outras pessoas) e parecia me deixar sem forças. Resolvi tentar encarar elas mais em silêncio, a Mirella cantou alguma coisa muito bonita, e eu dei um abraço bom nela, eu tentava “respirar” entre cada contração, cada uma que vinha, vinha pra me dizer que eu não sabia de nada. Parecia que meu quadril ia arrebentar. Eu visualizava a contração empurrando a Lara para baixo, mas a sensação que eu tinha é que a onda de contração batia e voltava pra cima, como se a dor irradiasse sem saber pra onde ir. “Onde estão minhas dopaminas?” – as vezes eu pensava comigo mesma.

 Vieram ouvir o BCF (batimento cardíaco fetal) da Lara novamente, estava um pouco acelerado, não precisavam me dizer, meu ouvido já estava acostumado a ouvir o BCF dos bebês alheios, a Lara estava taquicárdica. Perguntei, estava um pouco acima de 160. Ok, vamos monitorando. Eu estava cansada, me trouxeram um pouco de mel. Resolvi voltar pra banheira. Entre uma contração e outra eu via de canto de olho e ouvido as pessoas conversando no outro quarto, no canto, eu sabia que estavam conversando o que fazer. Já era por volta das 22h, havia uma certa preocupação no ar, e eu  lidava no meu interior com a possibilidade de ir pro hospital. Minha liberação de adrenalina não devia estar boa pro parto. Ouviram o coração da Lara mais vezes, continuava acelerado; 172bpm certa vez.

Senti raiva, raiva da dor, da situação, da falta de progresso. Me perguntava se havia algo de errado com meu corpo, por que não estava funcionando?  Eu aguentaria o que fosse para a Lara nascer bem,eu não queria ir para o hospital. Mas agora o coração dela se alterava, tudo mudou na minha cabeça. A dor vinha e atropelava, e agora passou a parecer sem propósito, isso que foi o pior. Eu sentia que vinha uma atrás da outra, me quebrou: “não aguento mais”.

Telefonaram para a Rosana (obstetra), ela estava indo a Taubaté e passava por Caçapava naquele exato momento, aproveitou então e veio me ver antes de decidirmos finalmente pelo hospital. Saí da água para ela me avaliar. Ouvi alguém falar em taquissistolia (hiperatividade uterina) -- ou delirei ouvindo. A Rosana achou que eu estava com 4 para 5cm de dilatação, e a bolsa estava bem colada na cabeça da Lara. Ela resolveu romper. Eu tinha curiosidade para sentir a bolsa rompendo, aquele líquido todo escorrendo... Comigo não foi assim, só senti um leve molhado. “Cadê meu líquido todo?” eu pensei. Havia um pouco de mecônio, não era creme de ervilha mas não era aquele liquido claro e bem diluído. O mecônio por si só é um achado normal que pode indicar apenas maturidade fetal e não ser sinônimo de sofrimento, mas como o coração da Lara apresentava alguma alteração e meu trabalho de parto estava arrastado, então foi mais um sinal de alerta.

“Vamos para o Hospital”. Eu não tinha preparado mala de maternidade nenhuma! Eu sabia que existia a possibilidade de transferência mas nunca acreditei que fosse acontecer comigo, tive uma gestação tão saudável, me sentia tão pronta para parir. Graças a Cris e à Mirella eu e a Lara tivemos o que vestir no hospital, elas improvisaram duas malas com roupas para nós! Obrigada meninas!


As enfermeiras, a Mirella e a Rosana tentavam me tranquilizar, falavam que não era decreto de cesárea, que possivelmente poderíamos continuar tentando o parto normal no hospital, mas com uma analgesia para ver se melhorava a resposta do colo do útero – quem sabe mudava meu quadro e ajudava na dilatação. O Felipe estava preocupado comigo, em como eu ia aceitar tudo isso; bem, o que eu poderia fazer, precisava aceitar... Estava tão cansada e com tanta dor, não pensava em mais nada, só sentia medo do trajeto no carro, eu sabia que ia doer mais, muito mais, 20min no carro, tendo contrações. Oh céus!!

Minha mãe foi atrás comigo, e como eu previ, as contrações no carro foram as piores possíveis, eu me sentia partindo ao meio de tanta dor, a sensação era de morte. A Rosana foi antes para já ir adiantando o anestesista e a entrada no hospital (Antonio Rocha – São José dos Campos). Em certo momento lembrei da fala da Robbie Davies Floyd no documentário “O Renascimento do Parto” dizendo que as enfermeiras são ótimas para assistir o parto fisiológico, e o médico obstetra surge como o “herói do hospital” (isto é, quando a intervenção mais drástica se faz necessária).

Graças à Rosana minha entrada no hospital foi rápida. Logo que chegamos vi meus sogros na porta nos esperando. Meu sogro me deu o braço enquanto eu subia a rampa. Sentia seus amorosos olhares preocupados. Eu estava um caco, e com medo de ter uma contração “daquelas” ali no meio de todo mundo. Não tive que preencher ficha nem deixar documento, deixei o Felipe resolvendo tudo e a enfermeira Gisely entrou comigo no hospital para além da recepção e me deu apoio.

Eu tinha vontade de chorar, mas não chorei. A dor agora me parecia inútil, queria poder desligá-la. Na minha cabeça já havia dado tudo errado, não era justo continuar com essa dor, ela não estava me levando mais para lugar algum, não havia compensação emocional, nem prêmio no final que me desse forças, era apenas dor, e ai a dor virou sofrimento. 

Eu tinha que fazer um cardiotoco (exame que avalia o coração e a mobilidade fetal), me colocaram naquelas camisolas ridículas abertas atrás e me levaram para a sala de exame, quando entrei vi cerca de outras 5 mulheres grávidas ali sentadas, nenhuma em trabalho de parto, uma estava tomando remedinho pra cólica, outra era alarme falso, todas tranquilas. “Oh não!! Elas vão me ver assim!”.

No meio da minha dor eu estava preocupada com elas, não queria assustá-las com minhas contrações, com minha dor e meus gritos e desespero, não queria desencoraja-las de parir. Eu ainda acreditava no parto, eu sabia que eu estava vivendo a excessão, que poderia ser muito melhor. Queria explicar que meu trabalho de parto estava atípico, que geralmente não é tão ruim assim. Claro, não tinha como explicar, eu só olhei pra elas e falei “Não se assustem”, devem ter me achado maluca... Sentei na cadeira de cardiotoco e ali fiquei um bom tempo, a Lara mexia pouco, ou eu já não sabia o que era ela mexendo. Isso me incomodou. Eu falei pra Gisely que estava preocupada com a Lara, com o coração dela, com a presença do mecônio; eu estava entrando naquele modo “apenas tirem minha filha de dentro de mim por que agora é a única coisa que me importa”.

Meu PD (parto domiciliar) já era, não tinha volta. A Rosana apareceu e eu choraminguei pra ela “me tira dessa cadeira não aguento mais”. Eu estava já sonhando com a analgesia. As contrações vinham e eu tentava aguentar calada pra não assustar ninguém. A Rosana avaliou o cardiotoco e falou que a Lara estava fazendo DIP II. Isso quer dizer que ela estava com uma desaceleração tardia (resposta do coração fetal à hipóxia, que resulta na economia de consumo de oxigênio pelo miocárdio). Isso é um mau sinal, sinal de que as coisas não estavam bem pra ela. Rosana me tranquilizou, falou que a ideia dela era tentarmos uma analgesia para parto normal, mas que com aquele quadro ela já não achava mais uma boa ideia e teria que ser cesárea. A indicação da cesárea não foi pelo tempo de trabalho de parto nem pela condição da dilatação, poderíamos esperar mais, tentar mais, usar recursos... mas o coração da Lara não estava respondendo bem, a indicação da cesárea foi o batimento cardíaco dela.

Me lembrei da minha ultima consulta de pré-natal com a Rosana, em que ela me desejou um bom parto e falou que eu não ia precisar dela mesmo, que eu ia ter um parto lindo em casa. Ah como eu queria ter tido um parto lindo! Mas que bom que eu tinha uma ótima obstetra, de quem acabei precisando. Olha só como é a vida...

Uma enfermeira me levou na cadeira de rodas para o centro obstétrico, eu sentia medo prevendo a próxima contração. Ser empurrada na cadeira de rodas tendo uma contração definitivamente só não foi pior do que ter contração deitada na maca que me obrigaram deitar enquanto me empurravam pelos corredores batendo portas. Eu pedia para pararem enquanto a contração não passava, mas não paravam. Eu lembrava das cenas das pessoas indo para suas cesáreas com suas roupas de hospital e toucas na cabeça, chorando suas cesáreas indesejadas. Eu não chorava, por que será que não sinto vontade de chorar? – pensava. Estava cansada demais, concentrada em sobreviver à dor da próxima contração, resignada com a cesárea.

Durante todo aquele dia esse foi o único momento que me senti agredida de certa forma, as enfermeiras do hospital me empurrando sem dó, sem acolhimento, apenas cumprindo seu trabalho. Mais um corpo indo ser cortado, eu era só mais uma. Chegando ao centro cirúrgico pediram para eu pular da maca pra mesa de cirurgia. Veio uma contração, em meio a dor eu choramingava “por favor esperem, deixa passar a contração, espera passar”. Elas pareciam tão impacientes...

Então veio o anestesista, o liquido gelado nas costas, a picada, a dormência. Alívio, adeus dor, olá cirurgia, a primeira cirurgia da minha vida, ironia... Eu estava com medo, mas nesse momento você só segue o fluxo dos acontecimentos. Não há mais o que fazer, eu não era mais protagonista, era expectadora do nascimento da minha filha, deitada, amarrada na mesa cirúrgica, sabendo que teria sete camadas do meu ventre cortadas, que não pegaria minha filha no colo, que não teria aquela ocitocina toda; o parto no chuveiro, em casa, ficou tão distante... só me restava aguardar terminarem com tudo.

A Rosana apareceu, a presença dela me tranquilizava. Ela falou que ia tentar colocar a Lara no meu colo assim que nascesse. O Felipe apareceu, UFA! Eu queria ele ali comigo, ele era meu porto seguro. Achei divertido ver ele todo paramentado, roupa, touca, máscara. Ele exibia preocupação comigo, e essa preocupação eu traduzia em amor. Ele estava do meu lado, isso que me importava.

Eu tremia muito de reação a anestesia raquidiana. Tremia de frio e tremia da descarga de adrenalina (assim me disse o anestesista que foi muito gentil me tranquilizando). Senti o bisturi elétrico traçando linhas no meu corpo, senti o cheiro da minha carne, a Rosana me abria e o assistente fazia pressão no meu fundo uterino, apertava minha barriga, empurrava a Lara. E meu mundo se resumiu à Lara, eu queria vê-la bem.

Avisaram que ela ia nascer, se o Felipe quisesse se levantar para ver. Ela nasceu molinha (me disse ele), não me foi mostrada, não chorou. O pediatra levou imediatamente e começou a aspira-la. Naquele momento senti as primeiras lágrimas molharem meu rosto, a aspiração, o que eu mais abomino, na minha filha, minha bebê... Eu via na minha mente a imagem dos bebês sendo aspirados, não é algo bonito de se ver, queria tê-la poupado disso. Sinto muito filha... Na minha cabeça passava um estudo que li que afirmava que não se deve aspirar bebês com mecônio, que o desfecho não melhora... Eu chorei por que ela estava sendo aspirada e eu não podia tranquiliza-la em seu choro. Claro, foi um alívio ouvir o choro, o Felipe respirou fundo do meu lado ao primeiro som que ela fez, como se estivesse trancando a respiração junto com ela. Nossa filha estava bem!

Ele ficou lá com ela enquanto terminavam de me costurar. Ela ficou segurando o dedo dele, e tentou mamar o cano do oxigêno, tadinha, era pra estar mamando em mim. Lara nasceu à meia noite e um (00:01) do dia 02/07/14, e pesou 3,575g. Eu estava com 40 semanas pela contagem do primeiro ultrassom, e com 41+3 dias pela data da última menstrução. 


Pediram pro Felipe sair e avisaram que logo levariam nós duas para o quarto. O Antoninho foi o hospital que escolhemos pois ele não tem berçário, faz alojamento conjunto, mãe e bebê juntinhos como tem que ser. Eu considero o berçário uma tremenda violência e foi um alivio poder ficar com minha filha o quanto antes, e não me separar mais!

A Lara havia parado de chorar, estava no berço aquecido na porta ao lado. Eu estava com um misto de emoções, queria muito vê-la, pegar nela, conhecer seu rostinho, ainda não tinha visto nada. Ao mesmo tempo estava tão exausta, tão cansada, tão acabada física e emocionalmente, e meu corpo tremia tanto, que cheguei a pensar ser um alívio não ter que segurá-la naquele momento. Eu só queria apagar, desligar, dormir. Sei que muito dessas sensações tem relação com a medicação que nos é aplicada na anestesia, mas é algo estranho de se sentir após desejar um parto domiciliar e terminar dessa forma.

 
Assim que foi possível a Rosana conseguiu ir lá busca-la e fazer nosso primeiro contato pele a pele, ainda na primeira hora de vida dela! Foi muito gentil da Rosana lembrar como isso era importante pra mim, para um nascimento humanizado. Ela desenrolou a Lara, terminou de tirar os campos cirúrgico de mim, e a colocou peladinha no meu peito. Foi muito bom! São pequenos gestos que fazem toda diferença e ajudam a preservar a memória positiva do dia do nascimento.

Como o pediatra estava com pressa em leva-la ao nascer, não foi possível esperar para cortar o cordão umbilical, mas a Rosana fez uma ordenha do cordão, levando mais sangue para a Lara, foi algo positivo! Fui respeitada ao pedir que não aplicassem o colírio nela, no dia seguinte inclusive uma enfermeira do hospital me elogiou pela consciência de recusar o colírio pois era desnecessário.


Não consegui amamentar ela, a anestesia me impedia de levantar, ela não conseguia pegar o seio comigo completamente deitada, foi frustrante. Estávamos cansadas e dormimos e ela só mamou de manhã (o que deixou o pai preocupado), uma pena... As pessoas no hospital foram muito gentis conosco, eles incentivam muito o aleitamento materno. Algumas enfermeiras foram de grande ajuda para mim (só me recordo do nome da Rose) durante os desafios dos primeiros dias de amamentação, só tenho elogios a elas!

Considero que nossa estadia no hospital de certa forma fez bem para nós três, eu gostava das noites no hospital em que era apenas eu a Lara e o Felipe, para mim era como se esses momentos reforçassem nossa união como família. Com certeza essa experiência toda nos transformou muito.


Hoje, mais do que nunca, não entendo como alguém escolhe passar sem necessidade por uma cesárea. Não entendo como alguém pode achar que sua cesárea foi “ótima”. Necessária, sim, talvez; mas ótima?! Eu odiei tudo aquilo, a passividade da situação, a frieza do ambiente. A recuperação foi “boa” (o que quer dizer que me recuperei sem complicações), mas foi horrorosa. Por dias me senti atropelada. É horrível ter que ficar tomando remédios para dor, andar curvada, sentir receio dos pontos, o ventre cortado... Tudo doía, sentar, levantar, caminhar, deitar de lado (não vou nem falar de tossir, rir e espirrar, pois isso sim dói!) Não acredito em quem diz que não sentiu dor no pós cirúrgico! Afinal, é uma cirurgia e não um raladinho no joelho! Com dor e desconforto tomei meu primeiro banho cerca de 16 horas após a cesárea. Comer e executar funções básicas, tudo era difícil e requisitava a ajuda dos outros. É difícil ficar bem para cuidar de um recém nascido após uma cesárea. Que bom que ela existe, mas como alguém escolhe passar por isso?! Eu tive um trabalho de parto atípico, longo e extremamente doloroso (não precisa ser necessariamente assim), e mesmo assim, preferia outro trabalho de parto a outra cesárea!

Me fica um pingo de frustração por não ter parido minha filha. Queria sentir o expulsivo, queria sentir ela saindo de mim através do nosso próprio esforço conjunto, queria pegá-la e acolhê-la. Não foi possível, não foi o que o karma reservou para nós. Sei que o trabalho de parto não foi em vão e isso me acalenta. Nenhuma “gota” de ocitocina (o hormônio do amor) é desperdiçada. Certamente a ocitocina que liberamos durante o trabalho de parto ajudou no nosso vínculo, ajudou na decida do leite, a estarmos preparadas. No segundo dia no hospital eu já tinha leite -- é por que passei pelo trabalho de parto! Minha filha nasceu quando ela estava pronta, quando ela quis, não foi arrancada de mim antes da hora. Não me arrependo do que vivi e do que planejei, e faria tudo outra vez. 

No dia que a Lara nasceu os Ipês rosas do hospital estavam todos em flor. Um dia lindo para se nascer! Agora eu precisava me curar e me preparar para os novos desafios da maternidade. A Lara é linda, olhou em meus olhos assim que consegui sentar para segura-la. Nos conectamos e não nos largamos mais, e o amor só transborda. 

Decidi não cultivar sentimentos de culpa ou fracasso. Quando uma mulher consegue parir as pessoas a congratulam com adjetivos positivos sobre como ela é forte, empoderada, parideira... Teria sido eu fraca? Teria meu corpo falhado? Eu tinha algum defeito que me impediu de parir? Tinha alguma trava emocional que não soube identificar? Toda minha experiência era invalida porque terminei em cesárea? Não! Eu não ia entrar nessa armadilha emocional. Eu sabia que todos estariam lamentando a minha cesárea; nós ficamos tristes mesmo pelas cesáreas alheias, ainda mais quando é de uma amiga que queria muito parir. Mas eu só queria agradecer, agradecer a experiência vivida, o aprendizado, a existência da cirurgia quando necessária. Além de qualquer lamentação, queria comemorar a chegada da minha filha!

Sim, eu acredito que o aspecto emocional é extremamente relevante num trabalho de parto (e interfere na produção hormonal). Mas o parto é também um evento biológico, físico, social, espiritual... Assim como a mulher não é uma máquina que dilata e expele bebês, também considero um erro atribuir tudo e qualquer coisa a algum fator emocional, é também um reducionismo. Vejo isso como mais uma forma de culpabilizar a mulher (o que é diferente de responsabilizar). Claro que o emocional interfere, mas todos os dias mulheres empoderadas ou não dão à luz a seus bebês nas mais diversas situações. Mulheres com medo e em situações extremamente desfavoráveis, tem seus filhos de parto normal, pois o parto é muito mais forte, e o corpo trabalha para parir. É claro que hoje, olhando em retrospectiva, eu faria algumas coisas de forma diferente durante meu trabalho de parto, mas não acredito em apontar fatores culpados, não acho que fatores isolados teriam o poder de mudar meu desfecho. Aconteceu o que aconteceu. Eu aceito.

Vivi um pouco dos dois mundos. Não pari, mas tive um quase parto domiciliar. Não queria uma cesárea, mas hoje sei o que é passar por uma. Talvez alguns gostariam de me apontar dedos e dizer “tá vendo, fica defendendo parto em casa, e acabou precisando de uma cesárea”. Mas o que aconteceu comigo só reforça a segurança do parto domiciliar. Ter uma equipe competente te avaliando e assistindo faz toda a diferença, ter um bom plano B com médico de backup é essencial! Desde começarem a perceber a taquicardia na Lara, até o nascimento dela, três horas se passaram. Deu tempo de avaliar, pensar, dirigir até o hospital, internar... A maioria dos “problemas” não acontecem de uma hora pra outra, e uma boa equipe pode avaliar e traçar um plano de ação, seja intervir em casa, seja a necessidade de transferir. Parto domiciliar bem assistido é seguro, e a meu ver minha experiência demonstra isso. Só tenho gratidão por todos que estiveram comigo, tive uma equipe maravilhosa (enfermeiras obstetras, médica obstetra e doula), e o apoio de quem eu amava!



Equipe:
Cristiane Pereira, fotógrafa - Amor em Foco http://amoremfocofotografia.com.br/nascimento-lara-parto-alaya/

Rosana Fontes, obstetra - https://www.facebook.com/partoemequilibrio?fref=ts 

Katia Zeny, enfermeira obstetra
Gisely Rezende, enfermeira obstetra
Mirella Bagdadi, doula https://www.facebook.com/movimentodeser
Roda BEBEDUBEM,  e a doula Flavia
 Penido http://vilamamifera.com/bebedubem/

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