O texto está escrito usando a linguagem da Medicina Tradicional Chinesa e seus termos técnicos, porém penso que mesmo que o leitor não domine essa terminologia, será capaz de perceber a mensagem essencial e tirar proveito disso em sua vida diária. Assim coloco-o na íntegra, mantendo os termos chineses da Acupuntura.
Ansiedade
Vivemos
em uma época de rapidez, de uma voraz fluidez que engole toda e qualquer
possibilidade de ócio criativo, de prazer de simplesmente estar. Tudo é para ontem, os prazos, a vida, a
competitividade profissional. Os preços sobem e nosso esforço aumenta, é
preciso acompanhar, é preciso seguir, é preciso correr. Olhamos para frente,
para fora, para um futuro irreal. Seguimos condicionados, seguimos
influenciados, pressionados, esgotados. O mundo urge, as oportunidades passam;
ficar parado é coisa de preguiçoso.
É
preciso produzir, gerar renda, fazer algo útil. É preciso trabalhar durante
oito, dez horas por dia, em empregos com os quais não temos afinidade, que não
nos geram satisfação; é preciso ter dinheiro. Fazemos cursos, especializações,
mestrados, doutorados: para podermos competir, para podermos ganhar, para
podermos gastar... Mas com o que? E com quem? No afã do esforço de conseguir se
adaptar a esse ritmo frenético, esquecemos quem somos e por que somos, pensando
em ter, esquecemos de ser.
Não
há mais tempo para cultivar nossos sentimentos, nossa identidade, nossas
relações de amizade e familiares. Não há tempo para sonhar, para criar, para
transformar. Não há tempo para se reconectar ao ciclo de vida; a comida deve
ser rápida, o sono deve ser pouco; “dormir é perder tempo de trabalho, tempo de
estudo” – muitos pensam. E muitas vezes o tempo que deveríamos passar dormindo,
o tempo que deveríamos digerir com calma uma refeição, é o tempo que temos para
tentarmos fazer algo que gostamos, para sermos um pouco “nós mesmos”. Assim,
algo sempre é sacrificado, e o corrido “olhar para fora” ganha do cultivo do “si
mesmo”, do olhar para dentro, e do contentamento na vida. É uma luta inglória.
Não
é de se espantar que tantas pessoas hoje se considerem ansiosas. Cultivamos-nos
assim no decorrer das últimas décadas. Hoje em dia todo mundo tem um pouco de
ansiedade, todo mundo tem um amigo ou parente que foi diagnosticado com
transtorno de ansiedade, todo mundo conhece alguém que toma remédio pra
ansiedade. É sempre a ansiedade! E na televisão há cada vez mais propagandas de
calmantes, de relaxantes, de analgésicos. São dores do corpo e dores da alma.
Em
uma pessoa saudável a ansiedade é apenas uma resposta saudável que “faz com que
a pessoa evite situações inconvenientes ou de perigo, ou consiga altos índices
de desempenho” (Ross, p. 463). Mas se esse estado de ansiedade tornar-se
crônico ou fora de proporção em relação ao estímulo, então, nos diz Ross, esta se
torna patológica. O natural estado de alerta pode
evoluir para tensão, insônia, exaustão,
aumento da frequência respiratória, que pode chegar à dispneia ou ataque de
pânico, elevação da velocidade do batimento cardíaco chegando a palpitações, e
aumento do tônus muscular que pode levar à tensão. (Ross, p. 463)
Assim, entendemos que a ansiedade é uma reação normal ao
estresse, mas quando “se torna uma apreensão irracional e excessiva diante das
situações cotidianas, transforma-se em distúrbio incapacitante” (Maciocia, p.
325).
Relacionamos então a ansiedade ao medo, à preocupação e
apreensão excessivas e irracionais,
a característica essencial do
distúrbio de ansiedade generalizada é preocupação excessiva e incontrolável com
coisas corriqueiras. Os sintomas físicos podem incluir: tensão muscular, suor, náusea,
frio, mãos úmidas, dificuldade em engolir, sustos repentinos, desconforto
gastrintestinal, irritabilidade, cansaço, insônia. (Maciocia, p. 325)
Na Medicina Tradicional Chinesa não há um equivalente
direto para a ansiedade, mas muitas doenças se parecem com ela. As duas
principais são “medo e palpitações” (Jing
Ji/ mente desalojada) e “pulsação de pânico” (Zheng Chong/ mente desalojada e levemente obstruída).
Na ansiedade a Mente (Shen)
pode não estar encontrando sua morada, estar agitada, sem repouso. E Hun (alma etérea), o Dionísio/Mercúrio
da Medicina Chinesa, que faz a conexão entre o consciente individual e o
inconsciente coletivo, entre a mente racional que discerne e argumenta, e os sonhos,
inspirações e intuições; bem, Hun não
está conseguindo mover-se livremente, com fluidez. “Hun tem natureza Gui, ‘escuridão’,
lado intuitivo e não racional da mente humana” (Maciocia, p. 208). Hun proporciona movimento à Mente, é
responsável pelo “vai e vem” dela. Assim, também é responsável pelo equilíbrio
das emoções.
A vida moderna exige muitos “vais”, e permite poucos “vem”.
É Hun, a “alma etérea” que é regida
pelo meridiano do Fígado, que proporciona o movimento da psique,
que permite os sonhos dormindo e os sonhos despertos, isto é, os sonhos de
vida, os objetivos, os planos, as ideias criativas. É Hun que nos faz nos movimentarmos em direção a outras pessoas, nutrimos
relacionamentos, criarmos projetos de vida e nos permitimos sermos inspirados
por intuições e movimentos artísticos; ter contato com nossas emoções mais
profundas e processas e assimilar experiências emocionais. Mas nada disso
parece ter valor na corrida por produtividade, por resultados práticos,
concretos e financeiros.
Assim, as pessoas, estando destituídas de oportunidade de
olhar para dentro, sendo constantemente estimuladas ao contrário, começam a
perder contato com seu lado interno, com seu lado profundo, seu aspecto Yin. O equilíbrio entre Yin e Yang, que rege a vida harmônica, é quebrado. O Yin enfraquece, pois não é nutrido, é negligenciado. E o aspecto Yang, de movimento para fora, é
hiperestimulado. Assim não se torna nem um pouco espantoso o quanto a ansiedade
tem sido um tormento na atualidade para inúmeras pessoas.
É preciso voltar a cultivar a calma, o olhar interno.
Permitir que se sonhe, que se use da criatividade, que relações humanas tenham
valor. Um valor que não é medido pelo retorno financeiro, mas pela alegria de
viver uma vida bem assimilada e em harmonia com o que somos realmente.
A Medicina Tradicional Chinesa traça algumas causas
fundamentais para o surgimento de padrões patológicos de ansiedade. Essas causas
podem ter origem física ou emocional.
Muitas pessoas possuem uma propensão constitucional a se
preocupar e ter ansiedade sem razão externa aparente. Percebe-se que é um
padrão familiar, uma herança com a qual a pessoa já nasce, uma propensão
natural a ser mais ansiosa.
Mas nem todo mundo é assim. Muitos de nossos hábitos
geram desarmonias internas, interferindo no funcionamento de nosso organismo.
Outra possível causa para a ansiedade é uma alimentação desequilibrada e
irregular. Nosso corpo gosta de constância, de ritmos internos, e a alimentação
irregular pode afetar os meridianos do elemento Terra (Baço-Pâncreas e
Estômago) e causar deficiências de Yin
e Qi, e com o passar do tempo, se
essa rotina irregular for mantida, e a deficiência agravada, isso poderá afetar
o meridiano do Coração, gerando deficiência de Yin nele também, e por consequência, ansiedade.
Por outro lado, o consumo excessivo de açucares,
alimentos gordurosos e produtores de mucosidade (como os laticínios) pode
predispor o organismo a gerar fleuma, essa fleuma irá obstruir os orifícios da
Mente, e causar ansiedade.
Outro fator causador de ansiedade é a sobrecarga de
trabalho, realidade tão comum para grande parte, senão a maioria, das pessoas
atualmente. Se trabalhamos muitas horas seguidas sem descanso adequado, e
durante muitos anos, o Yin do meridiano
do Rim se esgotará, e isso causará padrões de ansiedade. Pois o Rim e o Coração
possuem uma íntima ligação.
Quando há um padrão de deficiência
gerado por falta de descanso e sono adequados, excesso de trabalho, doença,
nutrição deficiente e outros fatores, então a deficiência do Qi e do Yin do Coração e do Rim, e do Sangue (Xue) do Coração e Baço-Pâncreas darão
origem a ansiedade. (Ross, p. 465)
Além disso, a perda de sangue em decorrência de um
acidente ou de um parto pode levar a uma deficiência de Xue, deixando a Mente sem residência e gerando ansiedade.
Embora a deficiência possa estar mais
associada com a depressão e um movimento mais lento do Shen (Mente), ela também pode se associar com a ansiedade e com o
aumento do movimento irregular do Shen,
em decorrência do controle reduzido do Shen
por Qi, Xue e Yin. (Ross, p. 465)
Tendo consciência desses
fatores, podemos ativamente buscar melhorar nossa qualidade de vida, criando
uma rotina alimentar mais saudável, dedicando horas ao descanso sempre que
possível, respeitando a necessidade de sono e evitando causas que gerem perda
de sangue quando estas podem ser evitadas (como, por exemplo, não marcando uma
cirurgia cesariana sem necessidade). Podemos assim termos mais participação em
nossa cura. Podemos nos envolver mais em atividades criativas, práticas de
interiorização e tudo que leve a uma nutrição de nossos aspectos Yin, de sonhos e de recolhimento. Assim diminuímos
as causas que levam a desarmonias físicas e energéticas em nós, e geram estados
de ansiedade.
Contudo, da mesma forma que atividades de ordem física
afetam nossos estados emocionais, estes também podem ser os causadores da
desordem física, e não o contrário. Portanto, o estresse emocional é também um
grande causador de ansiedade, e todo o tipo de trabalho terapêutico que leve a
um melhor entendimento de nós mesmos e um lidar mais saudável com nossas
emoções pode é benéfico. A ansiedade decorrente de estados crônicos de medo e
intranquilidade pode advir de muitas emoções, como a preocupação excessiva, o
medo, o choque, a culpa, a vergonha, o excesso de pensamentos (discussões
mentais intermináveis).
O estresse emocional pode “amarrar” a energia, causando
uma estagnação de Qi que
posteriormente se transformará em calor interno. O Calor,Yang, lesará Xue e Yin, causando deficiência destes. “Assim
o calor agita a Mente, provocando ansiedade. E a deficiência de Yin e Xue
privam a Mente de sua residência” (Maciocia, p. 327), fazendo com que ela “vague”
intranquila, sem repouso, sem foco, sem calma. Da mesma forma, “a estagnação do
Qi e deficiência resultantes do estresse emocional podem gerar fleuma, que pode
obstruir a Mente e causar ansiedade ou ataques mais graves de pânico”
(Maciocia, p. 327).
Os ataques de pânico são uma forma específica de intensa
ansiedade. Podem surgir sem aviso, ou numa situação esperada em que houve
acumulo prévio de ansiedade.
Os sintomas incluem uma sensação
crescente de ansiedade, que alcançam proporções de pânico, hiperventilação,
palpitações, transpiração profusa, tontura, náusea e talvez desmaio. É comum
haver um intenso desejo de sair daquela situação causadora. [...] Isso pode
ocorrer em pessoas obsessivas, após um susto muito grande ou um distúrbio
emocional intenso. [...] O medo é a base dessas síndromes e pode se manifestar
como ansiedade e preocupação e padrões de obsessão (Ross, p. 467)
Os
ataques tem maior probabilidade de ocorrer em um ambiente de cansaço e estresse,
e por um sentimento geral de insegurança que foi acumulado ao longo do tempo.
Emoções reprimidas, frustrações e raiva “engolida” também podem estagnar o Qi e gerar calor interno, o que agrava a
ansiedade.
Todas
essas causas físicas e emocionais podem estar combinadas em um mesmo indivíduo.
E cada pessoa terá uma resposta e intensidade diferentes da ansiedade. O
importante é perceber que se existem causas, há possibilidade de trata-las, e
podemos nos livrar desse sentimento incômodo.
Ansiedade
na Gravidez
Na
gravidez há uma maior tendência a gerar ansiedade, pois o elemento Yin da mulher, sua Essência armazenada
no meridiano dos Rins e o Sangue (Xue)
já estão sobrecarregados nutrindo o feto. A maior parte da energia daquela
mulher está focada em seu útero, o fluxo sanguíneo para lá é mais intenso, seus
hormônios estão dançando de acordo com a necessidade do feto e sua mente também
se ocupa com preocupações relativas à gravidez.
Assim,
qualquer atividade que cause uma deficiência de Yin é mais agravante durante a gestação. Como por exemplo excesso
de trabalho durante a gravidez, falta de sono ou pouca alimentação (ou
inadequada). Essa deficiência de Yin
leva a um padrão de calor vazio que afeta o Coração, e, portanto, afeta a Mente
que nele reside; a ansiedade aparece.
Além
desses fatores, na grávida a ansiedade pode decorrer da rebeldia do Qi no canal Chong Mai (um dos chamados “vasos maravilhosos”, o Vaso
Penetrador). O Chong Mai é muito
importante na nutrição uterina, mas na gravidez ele pode ser facilmente
desequilibrado, já quem, como já foi dito, na gravidez o Sangue e Essência da
mãe são desviados para nutrição fetal. Poderá aparecer uma deficiência na parte
inferior do corpo, e uma estagnação de Qi para cima, com o Qi rebelando-se e
subindo, causando ansiedade e sintomas desconfortáveis de nó na garganta,
aperto no peito e outros.
Os
problemas emocionais que afetam a todos, também afetarão a gestante com mais
força. Novamente a preocupação, a raiva, o ressentimento, a frustração etc
levam à estagnação do Qi; que assim
estando pode converter-se em Fogo que afeta a Mente, e causar ansiedade.
Infelizmente em nossa cultura, de um modo geral, todo o tratamento despendido às
gestantes acaba por reforçar sentimentos negativos e, portanto, prejudicar
quadros de ansiedade.
A
gestação é um momento importante de introversão. De rever nossos valores,
nossos sentimentos. É um momento de resgatar emoções mal trabalhadas,
retrabalhar relações familiares, resignificar o que para nós é ser mãe, nossa
relação com nossas próprias mães. É um momento de colocar para fora nossas
inseguranças, trabalhar nossos medos, focar nossa consciência em nossos
corações e ventes. O parto é um grande catalisador emocional, e por isso pode
ser um evento transformador na vida emocional de uma mulher, um evento que traz
força e fá-la perceber o quanto é capaz. O parto é um rito de transição, e todo
o emocional deve ser trabalhado.
Porém
em nossa cultura ao invés de nos voltarmos para nossos estados internos,
focamos no supérfulo, no externo. É reforçada a preocupação com aquisição de
produtos que na maioria das vezes não só não são essenciais e importantes para
o bebê, como são inúteis. Nos preocupamos em comprar móveis que o bebê não tem
necessidade, em fazer enxovais, em tirar fotos, em fazer convites bonitinhos
para festas. E toda essa atividade de consumo externo pode afastar o olhar para
o interno. Novamente é a preocupação com o ter, e não com o ser.
E
apesar de muitas se dizerem preocupadas com o parto, na verdade estão apenas
nutrindo medos, sem buscar informação para tomar consciência e combater
ativamente estes medos. O medo do parto é o medo de olhar para nós mesmas, e
fugimos de ter que lidar com isso marcando cirurgias desnecessárias que
prejudicam tanto a nós quanto ao bebê. O medo paralisa a consciência, e o medo
produz ansiedade.
Porém
ao invés de encontrar profissionais humanizados, que tratem a gestante com
respeito, que esclareçam dúvidas e medos fundamentais, a maioria encontra
pessoas despreparadas, que reforçam uma posição de autoridade, que tiram da
mulher o protagonismo sobre si mesma e sua vida, e minam sua confiança
diariamente com dúvidas acerca de sua capacidade de parir e dúvidas acerca da
saúde de seu corpo. Pedem muitos exames que nem sempre são necessários e
encontram motivos injustificados para dizer que a mulher tem “problemas”.
Socialmente ao invés de ser incentivada a ter autonomia, e ser acolhida com
respeito, a gestante passa a ouvir histórias aterrorizadoras que aconteceram
com a “prima da tia da vizinha”, ao mesmo tempo que é tratada com
infantilidade.
Essas
mulheres são cercadas de um ambiente que nutre o medo, de uma cultura de
terrorismo em relação ao parto (seja nas histórias que é obrigada a ouvir, seja
em programas de televisão). E estão envoltas em um ambiente que estimula a
preocupação, estimula o superficial e externo (o consumo impensado) e impede a
auto-expressão natural daquela pessoa. A raiva e a frustração e o
ressentimento, junto com esses outros sentimentos, podem passar a acompanha-la
com mais frequência do que quando não estava grávida. Não é de se espantar que
no final da gestação a maioria das grávidas estão fervilhando de ansiedade, com
o Yin bastante deficiente, e cheias
de questões emocionais mal trabalhadas. Costuma-se dizer que uma gravidez dura
oito meses e um ano, pois o último mês é uma tortura de ansiedade para a
maioria delas. Mas essa ansiedade pode ser trabalhada, e os sentimentos podem
ser re-significados! O Parto pode ser prazeroso e transformador, e o medo e a
preocupação podem se transformar em coragem e força de vontade!
Referência Bibliográfica:
MACIOCIA, G. A Prática da Medicina Chinesa
MACIOCIA, G. Obstetrícia e Ginecologia em Medicina Chinesa
ROSS, J. Combinações dos Pontos de Acupuntura